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Burocracia emperra Cadastro Ambiental Rural na Bacia do Rio Cuiabá, diz estudo

Baixa validação do CAR na Bacia do Rio Cuiabá dificulta o monitoramento e a efetiva proteção ambiental na região.

A lentidão na validação dos registros de imóveis rurais acende um debate sobre a real eficácia da principal ferramenta de controle ambiental do país, o CAR. Enquanto isso, o desmatamento, mesmo que em taxas menores em áreas protegidas, continua a ser uma sombra sobre a vital bacia hidrográfica mato-grossense.

O baixo número de Cadastros Ambientais Rurais (CARs) validados lança uma névoa de incerteza sobre a efetividade da gestão ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá. Este cenário preocupante é um dos achados centrais da pesquisa “Análise do Desmatamento na Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá Através de uma Abordagem Espacial: Integrando Tecnologias Geoespaciais e Sensoriamento Remoto aos Registros do Cadastro Ambiental Rural”, elaborada por Eduardo Ramos Moraes, Vagner Paz Mengue e João Lucas Buzatto, publicado em 2025. O estudo sugere que, apesar dos avanços legislativos, a concretização da fiscalização e da regularização ambiental enfrenta obstáculos consideráveis. A ferramenta, concebida como um pilar para a conservação, parece operar em marcha lenta, adiando promessas de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável para a região.

O coração hídrico de Mato Grosso sob pressão

A Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, com seus mais de 22 mil km² encravados em Mato Grosso, não é apenas um traço no mapa. Ela representa um manancial de importância histórica e econômica vital para a população local e para o equilíbrio do Pantanal Mato-grossense, regulando o fluxo das águas que mantêm a estabilidade desse complexo sistema. Contudo, essa artéria fluvial pulsa em um contexto agrário de expansão, onde a vegetação nativa frequentemente cede espaço às atividades econômicas, com destaque para a agropecuária. Diante disso, o cumprimento rigoroso das políticas ambientais torna-se não apenas uma exigência, mas uma necessidade urgente em face da busca global por sustentabilidade.

CAR: a promessa de um novo tempo para o meio ambiente

Instituído em 2012 pelo Novo Código Florestal (Lei nº 12.651), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) nasceu com a ambiciosa missão de ser um registro eletrônico obrigatório para todas as propriedades e posses rurais do Brasil. A ideia era criar um mapa detalhado do campo, identificando áreas de preservação permanente (APP), reserva legal (ARL) e uso agrícola. Juntamente com o Programa de Regularização Ambiental (PRA), o CAR deveria fortalecer o controle sobre as práticas agrícolas e a aplicação de políticas de sustentabilidade, mitigando os impactos da expansão sobre os ecossistemas. No entanto, a promessa esbarra em desafios práticos significativos.

A validação do CAR: um funil burocrático?

A pesquisa que analisou dados de 2008 a 2022 do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento) e informações do CAR até agosto de 2023 na Bacia do Rio Cuiabá trouxe à tona uma realidade preocupante. Dos 7.508 imóveis rurais cadastrados no sistema, impressionantes 7.312 ainda aguardavam validação, enquanto apenas 196 tinham seus cadastros efetivamente validados. Isso significa que somente 2,61% do total de registros foram completamente analisados e aprovados desde a implementação da obrigatoriedade em 2012.

Este cenário de lentidão não é uma exclusividade da bacia mato-grossense. Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) de 2021 já apontavam que, em todo o Brasil, apenas 1,62% da área dos imóveis inscritos no CAR tinham sua análise de regularização ambiental concluída. Essa morosidade na validação compromete a agilidade e a eficácia do sistema como um todo.

O desmatamento sob a lupa da ciência

O estudo se debruçou sobre a dinâmica do desmatamento na Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, cruzando dados do PRODES com os registros do CAR. O objetivo era claro: verificar se, mesmo com o CAR implementado, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Áreas de Reserva Legal (ARLs) estavam sendo respeitadas.

Entre 2008 e 2022, o desmatamento acumulado na bacia alcançou cerca de 1.857 km². Uma parcela desse total, 429 km² (23%), ocorreu em áreas de uso consolidado, ou seja, aquelas que já possuíam ocupação humana e atividades como agropecuária antes de 22 de julho de 2008, marco temporal estabelecido pelo Código Florestal.

Nas áreas protegidas: um alívio cauteloso

Quando o foco se volta para as áreas que deveriam estar integralmente protegidas dentro dos imóveis rurais com CAR validado, os números mostram um panorama mais contido. Nas APPs, que somam 142 km² nesses imóveis, o desmatamento atingiu 2,25 km², o que representa 1,58% do total dessas áreas. Já nas ARLs, que totalizam 765 km², a área desmatada foi de 13,5 km², correspondendo a 1,76%.

Os pesquisadores sugerem que essa “porcentagem reduzida de desmatamento em APP e ARL” pode ter uma explicação técnica. Muitas vezes, as ARLs declaradas no CAR correspondem a áreas que já possuíam vegetação nativa remanescente. As áreas que de fato necessitam de recomposição só são detalhadamente definidas e oficializadas após a adesão do proprietário ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), uma etapa posterior à simples inscrição no CAR. Apesar dessa ressalva, o estudo indica que “as ferramentas do código florestal de 2012 estão cumprindo as suas funções ambientais” nesses casos específicos.

Entre avanços e questionamentos: o CAR é suficiente?

Apesar do aparente respiro em relação às APPs e ARLs nos cadastros validados, o debate sobre a eficácia geral do CAR permanece aceso. O próprio estudo menciona que “alguns estudos apontam que a criação do CAR não reduziu o desmatamento ilegal, o CAR falhou em diversos aspectos, o desmatamento ilegal nas fazendas não caiu após sua adoção e apenas 6% dos proprietários estão adotando alguma ação de restauro [4]”. Esses apontamentos críticos reforçam a percepção de que o cadastro, por si só, pode não ser a panaceia para os crimes ambientais se não vier acompanhado de uma fiscalização ágil e efetiva e, crucialmente, da validação dos dados declarados.

A pesquisa deixa claro que “é vital combater esse fenômeno [o desmatamento] e proporcionar a conservação e o desenvolvimento sustentável dos biomas e preservação das bacias hidrográficas”. Para que isso ocorra, “ficou evidente a necessidade do cumprimento do código florestal”.

O futuro da bacia em jogo: um chamado à ação

A análise do desmatamento na Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, ao integrar tecnologias geoespaciais e os registros do CAR, sublinha um desafio central: a urgência na validação dos cadastros ambientais. Sem essa etapa crucial, o “instrumento de preservação que tem como objetivo desenvolvimento sustentável” corre o risco de se tornar um extenso banco de dados declaratórios com limitada aplicação prática na ponta.

O Estado, como guardião do interesse público, “tem o dever de fiscalizar aquilo que pode afetar as áreas remanescentes dos ecossistemas”. Isso passa, inevitavelmente, por acelerar e qualificar o processo de análise e validação do CAR, transformando dados em ação efetiva pela conservação da Bacia do Rio Cuiabá e dos preciosos ecossistemas que dela dependem. A pergunta que fica é: até quando a natureza poderá esperar pela burocracia?

Para entender melhor:

  • CAR (Cadastro Ambiental Rural): Registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais. Tem como finalidade integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
  • PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite): Sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que realiza o monitoramento por satélite do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal e também em outros biomas brasileiros, como o Cerrado. No estudo, foi usado para estimar o desmatamento na Bacia do Rio Cuiabá.
  • APP (Área de Preservação Permanente): Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Exemplos incluem matas ciliares ao longo de rios.
  • ARL (Área de Reserva Legal): Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.
  • PRA (Programa de Regularização Ambiental): Conjunto de ações ou iniciativas a serem desenvolvidas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental de seus imóveis. A adesão ao PRA é uma etapa que pode ocorrer após a inscrição no CAR, onde são definidas as medidas para recompor passivos ambientais.

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