Um vídeo postado no instagram causou grande comoção entre os defensores do meio ambiente. Trata-se de dois tratores “abrindo uma área” para cultivo de eucalipto. Segundo o post, o serviço realizado teve licença ambiental emitida pela SEMA.
Asssista ao vídeo no final da matéria.
Correntão em Mato Grosso: ferramenta agrícola ou vilão ambiental?
Entenda o debate sobre o uso dessa técnica para limpeza de áreas no estado
Em Mato Grosso, o uso do “correntão” para limpar áreas e preparar o solo para a agricultura gera discussões acaloradas. Essa técnica, que utiliza uma grande corrente tracionada por tratores para derrubar a vegetação, é vista por muitos produtores como essencial para o desenvolvimento do agronegócio. Por outro lado, ambientalistas e órgãos de fiscalização alertam para os sérios danos que ela pode causar ao meio ambiente. Vamos entender melhor essa história.
O que é o correntão e como ele funciona?
Imagine uma corrente de aço bem grande, com elos que podem medir até 40 centímetros. Essa corrente é presa a dois tratores potentes. Quando esses tratores andam em direções opostas, a corrente age como um rastelo gigante, derrubando tudo o que encontra pela frente: árvores, arbustos e qualquer tipo de vegetação. É uma forma rápida e eficiente de limpar grandes áreas.
Um histórico de proibições e liberações
A história da regulamentação do correntão em Mato Grosso é cheia de reviravoltas.
Do banimento à permissão com condições
Em 2012, com a aprovação do novo Código Florestal, o uso do correntão chegou a ser proibido. Mas essa proibição não durou muito. Em março de 2016, após uma reunião entre representantes do setor produtivo e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), a decisão de liberar o uso foi tomada. Segundo Elso Pozzobon, vice-presidente da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso), essa liberação era crucial para a abertura e limpeza de áreas em algumas regiões do estado.
A permissão se tornou oficial em julho de 2016, com a publicação do Decreto Legislativo nº 49/2016. Esse decreto suspendeu a validade de um artigo do Decreto 420/2016, que proibia o uso do correntão. Na época, o deputado estadual Dilmar Dal Bosco defendeu que o governo não poderia criar leis sobre crimes ambientais por meio de decretos.
Batalhas na justiça
A questão do correntão também chegou aos tribunais. Em julho de 2020, um juiz da Vara Especializada do Meio Ambiente de Mato Grosso atendeu a um pedido do Ministério Público e proibiu o uso do correntão para qualquer tipo de desmatamento, mesmo aqueles que tinham autorização. O juiz também determinou que as autorizações já existentes fossem revistas.
No entanto, essa decisão foi revogada em fevereiro de 2022 pelo mesmo juiz, que extinguiu o processo. A justificativa foi que já existiam outras ações sobre o mesmo assunto tramitando na Justiça Federal e no Tribunal de Justiça.
A própria Justiça Federal se mostrou favorável ao uso do correntão em Mato Grosso. Em uma decisão, o juiz Cesar Augusto Bearsi negou um pedido do Ministério Público Federal (MPF) que buscava proibir a utilização dessa ferramenta para remover a vegetação nativa.
Por que o correntão causa tanta polêmica?
Apesar de ser considerado eficiente por alguns, o correntão é alvo de críticas por seus potenciais impactos negativos no meio ambiente.
Os argumentos de quem defende o uso
Os produtores rurais e suas representações argumentam que o correntão é fundamental para a economia do estado. Eles afirmam que, sem essa ferramenta, a abertura de novas áreas para a agricultura se tornaria muito cara e demorada. Além disso, defendem que o correntão não serve apenas para desmatar, mas também para limpar áreas já utilizadas, reformar pastagens e nivelar o solo para o plantio.
O deputado Dilmar Dal Bosco chegou a dizer que o método é “mais econômico e rápido para o produtor mato-grossense, que quer se manter dentro da legalidade”, lembrando que seu uso só é permitido em áreas onde o desmatamento é autorizado por lei.
As preocupações dos ambientalistas
Por outro lado, órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o Ministério Público alertam que o correntão representa um grande risco para a fauna e a flora. Eles explicam que essa técnica remove toda a vegetação de forma agressiva, sem separar o que pode ou não ser cortado, causando a morte de muitos animais e prejudicando espécies de plantas, inclusive aquelas ameaçadas de extinção.
Um analista ambiental do Ibama, Edivaldo Dias Barbosa, ressaltou que “a fauna, com certeza, é a que sofre mais nesse momento”, mesmo em áreas com autorização para desmatamento.
O uso de “correntão” no Brasil
O uso do correntão para desmatamento é, de forma geral, proibido por lei em todo o Brasil e é considerado crime ambiental. A exceção notória é o estado de Mato Grosso, onde, após uma série de disputas judiciais e legislativas, a técnica foi liberada mediante autorização prévia do órgão ambiental estadual (Sema). Fora de Mato Grosso, não há registros recentes de autorização legal para o uso do correntão em outros estados brasileiros.
Projetos de lei tramitam no Congresso Nacional para proibir explicitamente o uso do correntão em todo o território nacional, inclusive agravando penas para quem utilizar essa técnica12. No entanto, até o momento, a legislação federal vigente já restringe severamente o uso da técnica, e a prática é considerada ilegal e passível de punição em praticamente todos os outros estados brasileiros.
Em resumo:
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Permitido apenas em Mato Grosso, sob condições específicas e autorização ambiental;
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Proibido no restante do Brasil, sendo considerado crime ambiental conforme a legislação federal.
Para entender melhor: As regras atuais
Apesar da permissão para o uso do correntão em Mato Grosso, existem regras importantes que precisam ser seguidas:
- Autorização Obrigatória: O uso do correntão só pode acontecer com uma autorização de desmatamento legal emitida pela Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente).
- Áreas Permitidas: Ele só pode ser utilizado em áreas onde o desmatamento é permitido por lei, como as áreas destinadas ao uso alternativo do solo.
- Cumprimento das Regras: Os produtores precisam seguir todas as condições estabelecidas pelo órgão ambiental na licença.
Um debate complexo
A situação do correntão em Mato Grosso mostra a tensão entre o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente. Enquanto o setor produtivo o defende como essencial para a agricultura, ambientalistas alertam para seus graves impactos.
A permissão para o uso, desde que haja autorização da Sema, representa um ponto de equilíbrio, mas a discussão continua. A questão central é se é possível encontrar um meio de conciliar a produção agrícola com a preservação da natureza em um estado tão importante para a economia e para a biodiversidade do Brasil. Essa pergunta ainda desafia a sociedade, os legisladores e os produtores de Mato Grosso.
Resumo dos principais instrumentos legais relacionados ao uso do “Correntão” em Mato Grosso
Instrumento Legal | Descrição |
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Decreto Nº 420/2016 | Inicialmente proibia o uso do “correntão” para supressão de vegetação nativa, classificando-o como crime ambiental. |
Decreto Legislativo Nº 49/2016 | Suspendeu a proibição do Decreto nº 420/2016, permitindo o uso do “correntão” para abertura de áreas com autorização da SEMA-MT. |
Decreto Nº 2.151/2014 | Regulamenta a dispensa de autorização para limpeza e/ou reforma de áreas sob certas condições. |
Decreto Nº 2.331/2014 | Modificou o Decreto nº 2.151/2014, restringindo a dispensa de autorização em áreas protegidas como ARLs, APPs e terras indígenas. |
Projeto de Lei Federal (PL 5268/2020) | Propõe a proibição do uso do “correntão” em todo o Brasil e o aumento das punições para quem o utilizar em crimes ambientais. |
É fundamental que qualquer pessoa ou empresa interessada em utilizar o correntão em Mato Grosso procure a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) para obter informações atualizadas e específicas sobre as regras e restrições aplicáveis. Buscar orientação jurídica especializada em direito ambiental também é essencial para garantir a conformidade com as leis. Além disso, é importante considerar métodos de limpeza de áreas que causem menos impacto ambiental e, caso o uso do correntão seja inevitável, cumprir rigorosamente todas as condições estabelecidas na autorização de desmatamento.
Opinião de André Trigueiro, jornalista especializado em meio ambiente
Trigueiro se manifestou em suas redes sociais, alertando sobre a arbárie que é o uso do “correntão”:
“Correntão” no Mato Grosso! Essa é a forma mais violenta de destruir uma floresta. Em segundos, o que a natureza levou, por vezes, milhares de anos para construir é derrubado por uma grossa corrente levada por dois tratores. “Dá pra desmatar até 10 campos de futebol por dia, sem fogo ou fumaça. Dada a rapidez do desmate, vários animais não conseguem fugir, sendo derrubados das árvores e esmagados.
O correntão havia sido proibido, mas voltou a ser autorizado no Mato-Grosso.”, diz o ambientalista @caetanoscannavino. Foi ele quem publicou essas imagens gravadas pela empresa que vende o serviço na região. Inacreditável! Essas são imagens publicitárias de quem vende o
“correntão” por aí. Especialistas da Embrapa afirmam que é possível aumentar a produção de alimentos sem tirar uma árvore da floresta! Se liga Brasil!
O outro lado:
A redação entrou em contato com a SEMA, fazendo questionamentos sobre o uso do correntão, entretanto não ficou claro se a SEMA fiscaliza os planos de resgate da fauna, segue abaixo a resposta:
A legislação não proíbe o uso de correntes para supressão de vegetação nativa. A adoção da prática, no entanto, exige a apresentação de justificativa técnica e de medidas mitigatórias.
O pedido para utilização dessa prática deve ser acompanhado dos planos de afugentamento e de resgate da fauna.
Assista ao vídeo (clique para assistir no Youtube o vídeo completo):
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