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Mato Grosso sob a motosserra: alívio em 2024 é miragem diante do desastre ambiental?

Mato Grosso sob a motosserra: alívio em 2024 é miragem diante do desastre ambiental?

Embora o desmatamento tenha caído 43,1% em relação a 2023, o estado segue no pódio da destruição. Quatro cidades mato-grossenses figuram no vergonhoso top 50 nacional, todas em áreas amazônicas que deveriam ser prioridade máxima de proteção. O cheiro de fumaça e descaso ainda paira no ar.

Mato Grosso, esse gigante que alimenta o Brasil e o mundo com seu agronegócio, mas que também deveria zelar por uma natureza exuberante, continua sendo palco de um filme de terror ambiental que parece não ter fim. O mais recente Relatório Anual do Desmatamento (RAD), quentinho, saído do forno em maio de 2025 e debruçado sobre os dados de 2024, escancara uma realidade indigesta. Sim, alguns números até trouxeram um suspiro, mas o roteiro geral da tragédia segue acendendo todos os alertas possíveis. Francamente, a situação é de embrulhar o estômago.

Esse verdadeiro pente fino nos dados, que vasculhou o período de 2019 a 2024 e colocou uma lupa impiedosa sobre o último ano, até mostra um Mato Grosso que, pasmem, não foi o campeão nacional de desmatamento em 2024 – essa triste coroa ficou com o Maranhão. Contudo, não se engane: o estado continua firme no pelotão de frente quando o assunto é ver sua vegetação nativa virar cinzas. Em 2024, parece que a motosserra deu uma pequena folga: foram 92.554 hectares de mato no chão, uma lufada de esperança se compararmos com a carnificina de 162.668 hectares em 2023. Essa freada de 43,1% empurrou o estado para a sexta posição no ranking nacional dos que mais devastaram. Mas, calma lá. Se abrirmos o álbum de retratos dos últimos seis anos, a imagem de Mato Grosso ainda é uma das mais manchadas pela destruição, lado a lado com Pará e Maranhão no topo da lista dos que mais perderam floresta. Até quando vamos assistir a esse filme repetido?

Epicentros da devastação: onde o machado canta mais alto

A verdade, nua e crua, é que o desmatamento em Mato Grosso não se espalha por aí como uma doença sem critério; ele tem seus focos, aquelas áreas onde a motosserra parece entoar uma melodia macabra com uma insistência de arrepiar. Pense bem: se em 2024, dos 5.572 municípios brasileiros, mais da metade (2.990, ou seja, 54%) tiveram pelo menos um triste evento de desmatamento confirmado, e nos últimos seis anos essa praga atingiu 79% das cidades do país, em Mato Grosso, alguns nomes, infelizmente, brilharam nesse palco de horrores, mostrando onde o garrote aperta com mais força.

O relatório de 2024 é um soco no estômago: dos 50 municípios que mais botaram a floresta abaixo em todo o Brasil, quatro são nossos, aqui de Mato Grosso. E os números deles contam uma história que clama por socorro.

  • Colniza: Este nome ecoa como um dos mais problemáticos, cravando a 10ª posição no ranking nacional. Por lá, absurdos 10.716,5 hectares de mata nativa viraram fumaça em 2024. Isso representa um avanço doloroso de 13,4% em relação ao já assustador 2023. Na prática, é como se Colniza perdesse, todo santo dia, 29 hectares de floresta. Dá para imaginar?
  • Paranatinga: Seguindo o rastro de destruição dentro de Mato Grosso, encontramos Paranatinga. A cidade viu 5.928,7 hectares serem varridos do mapa em 2024, um aumento ainda mais cavalar, de 31,4%, em relação ao ano anterior. Essa performance lhe garantiu a 36ª posição na lista nacional dos 50 maiores desmatadores. Ali, a média diária de choro da floresta foi de 16 hectares.
  • Nova Maringá: Logo em seguida, na 42ª posição nacional, surge Nova Maringá. Foram 5.393,8 hectares desmatados e um crescimento assombroso de 35,9% na destruição de um ano para o outro. Quinze hectares engolidos a cada dia, como se não houvesse amanhã.
  • Aripuanã: Mesmo com uma aparente redução de 34,0% no desmatamento em 2024, Aripuanã ainda mandou para o espaço 5.138,8 hectares de vida (uma média de 14 hectares por dia). Amargou, assim, a 48ª posição no ranking brasileiro.

O que torna o quadro desses municípios ainda mais revoltante é que todos eles – Colniza, Paranatinga, Nova Maringá e Aripuanã – estão carimbados na “Lista de Municípios Prioritários na Amazônia para Ações de Prevenção, Controle e Redução dos Desmatamentos e Degradação Florestal”, conforme a Portaria GM/MMA Nº 1.202, de novembro de 2024. Essa lista não é um mero enfeite de gaveta; ela aponta áreas que deveriam estar sob vigilância máxima e recebendo ações de combate ao desmatamento com muito mais garra por parte dos órgãos ambientais. A presença desses “campeões de desmatamento” mato-grossenses na lista prioritária é um atestado oficial da gravidade e da urgência de botar a mão na massa.

E não para por aí. Uma verdadeira constelação de outros municípios de Mato Grosso também está sob essa lupa federal nada lisonjeira: Apiacás, Bom Jesus do Araguaia, Cláudia, Comodoro, Confresa, Conquista D’Oeste, Cotriguaçu, Feliz Natal, Gaúcha do Norte, Guarantã do Norte, Juara, Juína, Marcelândia, Nova Bandeirantes, Nova Ubiratã, Paranaíta, Peixoto de Azevedo, Porto dos Gaúchos, Querência, Ribeirão Cascalheira, Rondolândia, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, União do Sul e Vila Bela da Santíssima Trindade. É um sinal claríssimo de que a porteira do desmatamento dentro da Amazônia Legal mato-grossense continua escancarada e extremamente preocupante.

Analisar o desmatamento olhando para cada município é como tirar a venda dos olhos: desfaz aquela conversa mole de que o problema é algo vago, distante. Ele tem CEP, tem nome, tem uma dinâmica própria em cada canto. E é justamente nesses “caldeirões” que as estratégias de fiscalização, o dinheiro para alternativas econômicas que não destruam e as políticas para organizar o território precisam ser mais do que promessas. Precisam ser faca na caveira. O grito da floresta nesses municípios de Mato Grosso não pode mais ser tratado como música de fundo; ele ecoa como um pedido desesperado de socorro, antes que a paisagem vire um deserto e a conta, salgadíssima, chegue para todos nós.

Biomas de Mato Grosso: um mergulho profundo nos ecossistemas que agonizam

Mato Grosso não é só um estado gigante no mapa; é um quebra-cabeça de paisagens e vidas, um tesouro que abriga fatias de três dos biomas mais importantes e ameaçados do Brasil: a imponente Amazônia, o Cerrado – nosso berço das águas – e um pedacinho do Pantanal, único no mundo. O RAD de 2024, que veio a público em maio de 2025, nos permite ir além dos números frios do estado e entender como a motosserra e o correntão têm castigado cada um desses mundos dentro de Mato Grosso. E o cenário, caro leitor, é de uma complexidade que exige um olhar de detetive.

Vamos começar pela Amazônia mato-grossense. Este bioma, que cobre mais da metade do estado (cerca de 57%), foi quem mais apanhou da devastação em 2024. Dos 92.554 hectares que viraram poeira em todo o Mato Grosso naquele ano, impressionantes 57.493 hectares – ou seja, 62,1% do estrago total – eram de pura floresta amazônica. Traduzindo: a pressão sobre a Amazônia dentro de Mato Grosso é brutalmente maior do que o tamanho que ela ocupa no estado. E o que se perde ali é, na esmagadora maioria das vezes (quase 99,8%, segundo dados gerais do bioma no Brasil), a floresta densa, aquela rica em biodiversidade e essencial para regular o clima. Cada hectare derrubado é um pedaço insubstituível desse tesouro que escorre pelo ralo.

Seguindo para o Cerrado de Mato Grosso, que se espalha por mais ou menos 37% da área estadual, a situação também é de tirar o sono. Em 2024, este bioma viu 31.775 hectares de sua vegetação original serem engolidos, respondendo por 34,3% do desmatamento total do estado. Embora a pressão aqui pareça um pouco mais alinhada com seu tamanho, não se iluda: é uma área gigantesca de um ecossistema vital que está sumindo do mapa. No Cerrado, a destruição atinge principalmente as formações de savana (cerca de 74,6% do desmate no bioma como um todo no país), mas também avança faminta sobre suas matas (formações florestais, com 19,2%) e campos nativos (4,7%). Essa variedade de paisagens do Cerrado, que enche nossos aquíferos e sustenta uma fauna e flora riquíssimas, está sendo picotada e empobrecida a um ritmo que deveria nos envergonhar. Será que estamos dando o devido valor a esse “berço das águas” antes que a torneira seque de vez?

Por fim, chegamos ao Pantanal mato-grossense, uma joia rara que ocupa uns 6% do estado. Em 2024, a área desmatada nessa que é a maior planície alagável do planeta, dentro das nossas fronteiras, somou 3.286 hectares. Esse volume representa 3,6% do total desmatado no estado. Pode parecer pouco percentualmente, mas cada hectare perdido no Pantanal dói na alma, pela sua fragilidade e pela beleza única que o mundo inteiro admira. Ali, o desmatamento atinge um complexo emaranhado de formações de savana (que levaram 41,8% do impacto no bioma em nível nacional), formações florestais (30,4%) e os característicos campos alagáveis (27,8%). A cada clareira aberta, são artérias de vida aquática e terrestre que ficam à beira de um colapso.

O que esses números gritam, sem deixar margem para dúvida, é que a crise do desmatamento em Mato Grosso tem várias caras, dependendo do bioma que a gente olha. A Amazônia sofre uma pressão selvagem e direta sobre sua floresta densa. O Cerrado vê seu mosaico de savanas, matas e campos ser feito em pedaços. E o Pantanal, mesmo com números absolutos menores, sente o tranco em sua complexa e delicada dança das águas e da vida. Sacar essas particularidades é o primeiríssimo passo – e um passo que não pode esperar mais um minuto – para que as estratégias de conservação, fiscalização e desenvolvimento sustentável saiam do papel e virem ações de verdade. Só assim para proteger a riqueza natural que Mato Grosso ainda teima em ostentar, mas que definha a olhos vistos. A pergunta que fica engasgada é: até quando esses ecossistemas vão aguentar o tranco se o ritmo da destruição não for brecado para valer?

Fiscalização na berlinda: a lei é para todos ou só para alguns?

Quando a floresta tomba em Mato Grosso, um caminhão de perguntas atropela a gente: Foi legal? Tinha licença? Alguém viu? Alguém foi para a cadeia? O RAD de 2024, divulgado em maio de 2025, não tenta tapar o sol com a peneira e, com os dados que tem, busca entender esse jogo de cartas marcadas entre o que é permitido no papel, o que é de fato fiscalizado e o que, para nossa vergonha, passa batido pela lei no estado.

Vamos começar pelo lado do “pode desmatar, mas só um pouquinho”. No Brasil, para derrubar vegetação nativa, a regra (em tese) é clara: precisa de uma Autorização de Supressão da Vegetação (ASV) ou de Uso Alternativo do Solo (UAS). Em Mato Grosso, um estado que até merece um ponto positivo por jogar os dados de desmatamento e autos de infração na internet, no seu Geoportal, a análise para o período de 2019 a 2024 mostra uma coisa curiosa: cerca de 7,9% de todos os alertas de desmatamento validados tinham alguma “cobertura” de autorizações emitidas por órgãos federais ou estaduais. Agora, se a gente olha para o tamanho da área, esse percentual pula para 30,4%. Sabe o que isso quer dizer? Que quase um terço do 1,1 milhão de hectares desmatados no estado nesse acumulado de seis anos (um total de 337.030,1 hectares) tinha, pelo menos no papel, algum tipo de sinal verde oficial. Conveniente, não?

Mas e quando a lei deveria mostrar os dentes? A fiscalização, com seus embargos e multas, é a resposta (ou deveria ser) do Estado para quem resolve passar por cima das regras. Em Mato Grosso, nesse mesmo período de seis anos (2019-2024), impressionantes 11.312 alertas de desmatamento – o que dá 44,9% do total de alertas no estado – cruzaram com alguma ação de fiscalização, seja ela federal ou estadual. Quando olhamos para o tamanho dessa área que recebeu a “visita” da fiscalização, os números são ainda mais parrudos: 654.723 hectares, ou 59,1% de toda a área desmatada em Mato Grosso entre 2019 e 2024, receberam algum tipo de carimbo dos agentes da lei.

O ano de 2024, especificamente, traz um dado que faz a gente coçar a cabeça em Mato Grosso. Juntando as áreas que tinham autorização para desmatar com aquelas que foram alvo de alguma ação de fiscalização (multa, embargo, etc.) até abril de 2025, o relatório diz que 84,8% de toda a área desmatada no estado em 2024 estava numa dessas duas caixinhas. Isso faz parecer que grande parte da derrubada, principalmente os desmatamentos maiores, está, de alguma forma, entrando no radar oficial – seja pela porta da frente da legalidade (com autorizações prévias) ou pela porta dos fundos da repressão (com ações de fiscalização depois do estrago feito). No que diz respeito ao número de alertas de desmatamento em 2024 que tiveram alguma ligação com autorizações ou fiscalizações, esse percentual no estado foi de 50,7%.

A tal transparência de Mato Grosso na divulgação de seus dados ambientais, como já falamos, é um ponto a favor. Ajuda a sociedade e os órgãos de controle a ficarem de olho no que acontece por aqui. Porém, ter uma autorização na mão não garante, nem de longe, que todo o processo foi limpo ou que os impactos foram realmente diminuídos. Do mesmo jeito, uma ação de fiscalização é só o começo da história. Sua real força se mede pela capacidade de botar um freio em novas infrações, garantir que o estrago seja consertado e punir os culpados de forma que sirva de exemplo. Será que isso está acontecendo?

O que os números também deixam escapar, mesmo que nas entrelinhas, é sobre aquela fatia do desmatamento que parece acontecer num tipo de “terra de ninguém”: sem autorização antes e, aparentemente, driblando o braço da fiscalização imediata. Se, em 2024, 84,8% da área desmatada em Mato Grosso teve alguma “atenção” (autorização ou fiscalização), sobra uma lasca de mais de 15% que, à primeira vista, pode não ter visto nem uma coisa nem outra quando a análise foi feita. É nesse vácuo que mora o perigo da impunidade e da porteira aberta para a destruição da vegetação nativa.

A grande pulga atrás da orelha que não sai de Mato Grosso, e do Brasil inteiro, é se o aparato legal e de fiscalização que temos hoje dá conta não só de anotar o placar da destruição e multar, mas de evitar que a floresta vá ao chão. Os números mostram um esforço considerável de fiscalização no estado, mas a teimosia das altas taxas de desmatamento, mesmo com quedas aqui e ali, bota em xeque se o modelo atual funciona de verdade. A lei precisa ter peso de verdade, e seu cumprimento, consequências que doam no bolso e na reputação, para que a balança finalmente pese a favor da floresta. Ou vamos continuar enxugando gelo?

Para entender melhor: o famoso CAR, de cadastro a cúmplice?

Imagine um arquivo digital gigantesco, uma espécie de “RG ambiental” para cada pedacinho de terra rural no Brasil. Esse é o Cadastro Ambiental Rural, o tal do CAR. Ele nasceu com a promessa de ser a oitava maravilha do mundo para controlar, monitorar e planejar o meio ambiente e, claro, para dar um chega pra lá no desmatamento. Todo imóvel rural no país é obrigado a ter. A ideia era nobre: ter um raio-X completo das propriedades, mostrando áreas de preservação, reservas legais e, com isso, ajudar o Brasil a cumprir suas metas ambientais. Mas, como diz o velho ditado, de boas intenções o inferno (ambiental, nesse caso) pode estar cheio.

O Relatório Anual do Desmatamento (RAD) de 2024, solto em maio de 2025, joga uma luz forte e incômoda sobre essa ferramenta. E o que a gente vê é um nó na cabeça, um paradoxo que dá até raiva. No Brasil, em 2024, dos quase 8 milhões de imóveis rurais direitinhos no CAR até março de 2025, uma merreca, só 0,8% (umas 62.508 propriedades), levou uma dedada por algum evento de desmatamento (considerando áreas mínimas de 0,3 hectare). Parece mixaria, não é? Mas aqui vem o truque de mágica do absurdo: essas poucas propriedades foram responsáveis por nada menos que 81,4% de todos os alertas de desmatamento que pipocaram no país em 2024. É como se uma turminha pequena estivesse fazendo a festa e quebrando a casa inteira.

E quando a gente olha para a área que realmente virou fumaça, a coisa fica ainda mais cabeluda. Em 2024, quase 94% de toda a vegetação nativa que foi pro beleléu no Brasil estava dentro de áreas registradas no CAR. Sim, você não leu errado: o lugar que deveria ser o guardião da lei ambiental é, na prática, o palco principal da devastação. Que ironia trágica!

Agora, vamos trazer essa lupa para Mato Grosso, um estado onde o agronegócio ruge alto e a pressão em cima dos biomas é coisa de louco. O relatório mostra o estrago por bioma, e como Mato Grosso tem pedaços da Amazônia, Cerrado e Pantanal, os dados são um tapa na cara. Na Amazônia brasileira inteira, em 2024, cerca de 87% da área desmatada estava dentro de imóveis com CAR. No Cerrado, esse número foi ainda pior, chegando a assustadores 98,3%. E no Pantanal, praticamente todo o desmatamento (99,5%) aconteceu em terras cadastradas. Isso quer dizer que, aqui dentro de Mato Grosso, a maioria esmagadora da derrubada, seja na floresta amazônica, nas savanas do Cerrado ou nas planícies pantaneiras, está rolando em propriedades que, em tese, estão no radar do governo através do CAR. Então, para que serve esse cadastro, afinal?

Pior ainda é ver que o crime compensa, ou pelo menos se repete. No Brasil, em 2024, quase metade (46,3%) das propriedades rurais com CAR que desmataram já eram “freguesas antigas”, ou seja, tinham histórico de desmatamento em mais de um ano desde 2019. E um grupinho mais teimoso, cerca de 3,5% delas, desmatou em todos os seis anos analisados! Essa repetição da infração dentro de áreas cadastradas levanta uma desconfiança enorme sobre a eficiência da fiscalização e a sensação de que nada acontece em lugares como Mato Grosso. Se o “RG ambiental” existe, por que ele não impede que o criminoso volte à cena do crime tantas vezes?

A coisa toda ganha uma nova camada de complicação quando a gente bota na conta as pressões que vêm de fora. A nova lei da União Europeia, por exemplo, que proíbe a importação de produtos feitos em áreas desmatadas depois de dezembro de 2020, coloca na mira muitas dessas propriedades registradas no CAR. A estimativa é que uns 310 mil imóveis rurais no Brasil, ou 4% do total no CAR, podem dançar por causa dessa regra. Quantos deles estão em Mato Grosso, um peso pesado na exportação? O CAR, que deveria ser um selo de “tudo nos conformes”, pode acabar virando uma prova de que a fazenda está irregular para mercados que não brincam em serviço.

Então, qual é a real do CAR em Mato Grosso e no resto do país? A ferramenta, em si, tem seu valor. Ela nos dá um nível de detalhe sobre o uso da terra que a gente não tinha antes. Contudo, os dados do RAD 2024 mostram que, na prática, o CAR tem sido mais um mapa da mina da devastação do que um escudo protetor. Ele nos diz onde o problema está, com nome, sobrenome e número de cadastro. O desafio gigantesco, especialmente para um estado com a complexidade de Mato Grosso, é transformar essa informação em ação que funcione. É fazer com que “estar no CAR” signifique, de verdade, um compromisso com a lei ambiental, e não só mais um papel na gaveta enquanto a floresta continua tombando lá fora. A mira está no CAR, e a sociedade espera respostas e, principalmente, resultados. Chega de conversa fiada!

O rastro do dinheiro: quando o crédito rural financia a destruição

Quando o assunto é desmatamento, seguir a trilha do dinheiro pode nos levar a descobertas bem cabeludas e, francamente, perturbadoras. O Relatório Anual do Desmatamento (RAD) de 2024 reservou um capítulo inteiro para fuçar as operações de crédito rural público – aquele dinheirinho que sai do governo ou tem o seguro do Proagro – que, de alguma forma, deram de cara com alertas de devastação entre 2019 e 2024. E aqui, Mato Grosso, o colosso do agro, aparece com números que fazem qualquer um engolir seco e pedir explicações.

Antes de mais nada, um banho de água fria para quem se empolga com números absolutos: o próprio relatório faz questão de sublinhar, em letras garrafais, que nem todas as operações de crédito rural são obrigadas a entregar o mapa da mina, ou seja, a localização exata das terras que receberam o financiamento. A verdade é que, para o período que eles olharam, somente uns 30% das operações registradas no Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (SICOR) tinham essa tal “geometria da gleba” disponível. Isso quer dizer que o que a gente está vendo é só a pontinha do iceberg, e a realidade por baixo d’água pode ser muito mais feia e complicada.

Mesmo com essa limitação que já joga um balde de desconfiança, os dados são de arrepiar os cabelos. Em 2024, no Brasilzão todo, das 769.626 operações de crédito rural público registradas no SICOR, nada menos que 11.472 (ou 1,49%) tiveram alguma coincidência infeliz com áreas onde o MapBiomas Alerta apitou desmatamento. Se a gente olha para a área total dessas glebas “financiadas e desmatadas”, o número faz o queixo cair: do total de 19,48 milhões de hectares que receberam crédito público e tinham sua localização conhecida em 2024, cerca de 1,25 milhão de hectares (ou seja, 6,32% dessa área financiada e mapeada) também viram a vegetação nativa ir para o vinagre. E a grana envolvida nisso tudo? Em 2024, perto de R$ 6 bilhões em crédito rural público foram parar em operações que se sobrepuseram a alertas de desmatamento no país. Isso representa 5,51% do montante total registrado no SICOR para esse tipo de financiamento naquele ano, que foi de R$ 108,98 bilhões. É muito dinheiro público potencialmente regando a destruição!

E Mato Grosso, como fica nessa história toda? O estado teve aproximadamente 50.000 hectares de suas terras, que receberam a bênção do crédito rural público e tinham sua localização identificada, também carimbadas por alertas de desmatamento em 2024. Esse número, embora não coloque a gente no topo vergonhoso da lista nacional – o Piauí levou essa com cerca de 230.451 hectares nessa situação –, é extremamente grave para um estado que se gaba de ser um dos pilares da produção agrícola brasileira.

Cinquenta mil hectares em Mato Grosso significam que, mesmo com toda a conversa sobre mecanismos de controle e a pressão crescente por uma produção mais sustentável, ainda tem uma fatia gorda de dinheiro público irrigando, na cara dura ou por debaixo dos panos, áreas onde a floresta está caindo. Será que os filtros dos bancos e das agências de fomento estão entupidos? Ou será que a burocracia do sistema e a falta de transparência total sobre a localização de todas as fazendas financiadas criam as brechas perfeitas para que essas “coincidências” continuem acontecendo ano após ano? Fica a pergunta no ar, com cheiro de queimada.

É fundamental lembrar que essa análise toda se baseia só nas operações que tinham a tal geometria disponível. Se a gente resolvesse chutar, mesmo que com cuidado, o que aconteceria se tivéssemos o mapa completo de todas as terras que receberam crédito? Os números seriam ainda mais escandalosos? O relatório não se arrisca nessa conta, mas a dúvida fica ecoando como um grito de alerta.

Para um estado como Mato Grosso, que vive o dilema de tentar conciliar a força bruta do seu agronegócio com a necessidade desesperada de preservar seus biomas – Amazônia, Cerrado e Pantanal –, esses dados sobre o crédito rural são muito mais do que simples estatísticas; são um chamado urgente para botar a mão na consciência e, principalmente, para agir. Afinal, fechar a torneira do financiamento para áreas com rolo ambiental não é só uma questão de cumprir a lei, mas um passo essencial para garantir que o “celeiro do mundo” não acabe virando o cemitério da sua própria riqueza natural. Ficar de olho na origem e no destino do dinheiro público nunca foi tão importante quanto agora. Ou vamos continuar financiando nossa própria destruição?

Encruzilhada mato-grossense: entre o tombo feio e a chance (remota?) de levantar

Olhando para os números de 2024, Mato Grosso até ensaiou uma piscadela, com uma queda no ritmo da destruição se comparado a 2023. Um suspiro de alívio, quem sabe? Sim, mas pode guardar o champanhe, porque a festa ainda está muito longe de começar. Os volumes de desmatamento continuam na casa dos milhares de hectares, uma enormidade, e a pressão sobre os nossos ecossistemas, principalmente na Amazônia que ainda resiste dentro de Mato Grosso, segue com o pé no acelerador. A concentração da devastação em algumas cidades específicas e as conexões perigosas com o crédito rural são feridas abertas, sangrando, que exigem um tratamento de choque, daqueles de UTI, tanto do governo quanto da sociedade que não aguenta mais tanto descaso.

A transparência do estado em mostrar seus dados é, sem dúvida, um passo na direção certa, temos que admitir. Contudo, de que adianta escancarar o tamanho do estrago se as ações para estancar a sangria não forem para valer, com coragem, e se a fiscalização não tiver peito e estrutura para encarar o problema de frente, doa a quem doer? Mato Grosso precisa, para ontem, achar o caminho do bom senso, proteger sua imensa biodiversidade e provar para o mundo, e para nós mesmos, que é possível, sim, produzir sem precisar destruir tudo ao redor. A grande interrogação que paira no ar quente e carregado do Centro-Oeste é: essa baixa no desmatamento em 2024 foi só um soluço passageiro, um susto momentâneo dos desmatadores, ou o começo de uma virada de jogo de verdade? O futuro da floresta (e, sejamos honestos, o nosso também) agradeceria penhoradamente se fosse a segunda opção. Mas, sinceramente, depois de tantos anos de promessas vazias e destruição contínua, a esperança anda meio em baixa.

 

 

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