A Justiça Federal reagiu ao descaso com o povo Warao, determinando a criação de um grupo especial para garantir direitos básicos como saúde, moradia, educação e segurança alimentar aos indígenas venezuelanos em Mato Grosso. Além disso, a medida prevê uma multa diária de R$ 2 mil caso as autoridades responsáveis descumpram a decisão.
Descaso estatal e pedido do MPF
Na ação, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou a negligência dos entes públicos no atendimento aos Warao. O órgão destacou que essa omissão viola a Constituição e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Por isso, o MPF argumentou que medidas urgentes são necessárias para reverter a exclusão dessa comunidade.
“A omissão dos entes públicos na garantia dos direitos básicos aos Warao é uma violação flagrante da Constituição, que assegura a dignidade da pessoa humana e a proteção das populações indígenas”, afirmou o procurador responsável pela ação.
Além de saúde e educação, o MPF solicitou moradia digna e segurança alimentar para os Warao. Nesse sentido, reforçou que “não se trata apenas de falhas administrativas; estamos lidando com vidas humanas em risco.”
Problemas enfrentados pelos Warao
A situação da comunidade Warao em Cuiabá é crítica, com desafios graves em áreas essenciais. Por exemplo, na saúde, a ausência de atendimento especializado pela Sesai agravou problemas evitáveis, como desnutrição e infecções de pele. Desde 2019, quatro mortes foram registradas.
“O Brasil tem compromisso internacional de proteger os refugiados e a proteção dos indígenas, e essa responsabilidade precisa ser cumprida imediatamente”, destacou o procurador.
Além disso, cerca de 45 crianças Warao estão fora da escola. A falta de ensino intercultural reflete o descaso com os direitos indígenas.
“As crianças indígenas não são apenas negligenciadas; elas são sistematicamente excluídas”
Outro ponto crítico é a moradia. Muitas famílias vivem em condições insalubres, sem saneamento básico e em abrigos superlotados. Segundo o procurador,
“a negligência do Estado e da União com a comunidade Warao reflete um descaso com os direitos humanos.”
Detalhes do laudo antropológico
O laudo apresentado pelo MPF reforçou a urgência da ação. Ele destacou quatro aspectos que evidenciam a gravidade da situação:
- Barreiras culturais e de comunicação:
A falta de tradutores e mediadores culturais impede que os Warao compreendam e acessem serviços básicos. Dessa forma, sua vulnerabilidade aumenta. “Essa barreira compromete sua interação com o sistema de assistência social.” - Segurança alimentar inadequada:
Os alimentos fornecidos não respeitam as tradições culturais da comunidade. “Os Warao têm predileção por pescados e mandioca, raramente incluídos nas cestas básicas.” - Condições insalubres:
Muitas famílias vivem em espaços superlotados, sem saneamento básico. Assim, a exposição a riscos de saúde, como desnutrição e infecções, é inevitável. - Exclusão educacional:
O sistema educacional falha em oferecer inclusão intercultural. Por isso, as crianças Warao continuam fora da escola. “As crianças Warao enfrentam exclusão do ensino devido à ausência de um modelo educacional que respeite suas tradições.”
O juiz destacou que esses pontos evidenciam a necessidade urgente de medidas. Em sua decisão, ele afirmou:
“O laudo demonstra que a ausência de políticas públicas específicas para os Warao não apenas agrava sua exclusão, mas também viola direitos básicos previstos na Constituição.”
“Nós não queremos sofrer mais. Esse lugar não é nosso, é emprestado. Aqui
não vivemos em paz; estamos sempre preocupados. Desde o ano passado, estamos contando a
mesma história”, disse uma das lideranças das comunidade.
A principal reivindicação é que possam viver dignamente em um lugar onde seja possível sua reprodução sociocultural.
Mulher Warao: não é igual. Cada pensamento da família é diferente. Isso
que estou fazendo é como voluntária [exercer o papel de liderança]. Um
Warao não pode viver em um abrigo ou em uma casa fechada. Claro que
há diferentes Warao em muitas cidades. Alguns vivem nos abrigos e estão
presos. Pensando assim, gostei muita dessa cidade, que é bonita. Nos
ajudaram. Gostamos de viver aqui e não queremos ir para outra cidade
para passar pela mesma situação. Não queremos repetir a mesma história.
Por isso decidi lutar para ter um teto para as famílias. Somos humildes
indígenas, mas temos fé. Oramos muito todo domingo. Quero viver aqui no
Mato Grosso com meus filhos; queremos ver nossos filhos progredindo;
queremos que plantem seus sonhos, que tenham essa experiência de serem
profissionais. Isso é muito diferente de viver em um abrigo; viver em paz,
viver livre. Agradecemos ao presidente Lula e ao governo do Mato Grosso
por nos receberem de coração.
Decisão judicial: criação do grupo especial e multa
A Justiça determinou que União, Estado e Município formem um grupo especial em até 60 dias. Além disso, esse grupo será responsável por:
- Implantar centros de acolhimento e campanhas educativas em parceria com o ACNUR.
- Apresentar um plano de ação detalhado em até 90 dias.
Caso as medidas não sejam cumpridas, será aplicada uma multa diária de R$ 2 mil.
“Esta decisão judicial é um divisor de águas e estabelece a responsabilidade de cada ente público na garantia dos direitos fundamentais dessa população”, concluiu o MPF.
Impacto e monitoramento
A decisão marca um avanço na proteção dos Warao. No entanto, o MPF alerta que o sucesso depende de monitoramento contínuo. Por isso, o órgão continuará acompanhando o caso. “Essa não é apenas uma decisão jurídica; é um chamado à humanidade. Nós, enquanto sociedade, não podemos ignorar a luta dos Warao pela sobrevivência e dignidade”, concluiu o procurador.