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ALMT enterra Lei sobre transparência de agrotóxicos na água, enquanto aprova distância mínima zero para pulverização em propriedades de até 140 campos de futebol

Agrotóxicos na água mato grosso

Projeto que exigia informação nas contas de água é arquivado após debate na ALMT

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) decidiu rejeitar e arquivar o Projeto de Lei nº 198/2023, proposto pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT). Esse projeto determinaria que as empresas de água informassem a presença de agrotóxicos nas faturas mensais dos consumidores. A decisão aconteceu em 30 de abril de 2025.   

O que previa o projeto de lei?

O Projeto de Lei nº 198/2023 tinha como objetivo garantir que os consumidores soubessem quais agrotóxicos estavam presentes na água que recebem em casa. Para isso, as empresas de água deveriam incluir na conta mensal um relatório com os resultados das análises feitas na água.   Entre os agrotóxicos que deveriam constar nesse relatório, estavam nomes como glifosato, atrazina, mancozebe, carbendazim, 2,4-D, clorpirifós e endossulfam. O projeto alertava que essas substâncias podem causar sérios problemas de saúde, como câncer, malformações congênitas e alterações no sistema endócrino.

A proposta tramitou na Assembleia Legislativa por mais de dois anos. A Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais, liderada pela deputada Janaina Riva, apresentou um parecer contrário ao projeto em junho de 2024. Finalmente, o projeto foi rejeitado e arquivado em abril de 2025.

Por que o projeto foi proposto?

O deputado Lúdio Cabral, que propôs a lei, justificou sua iniciativa com dados preocupantes sobre o uso de agrotóxicos em Mato Grosso. Ele destacou que o estado é o maior consumidor de agrotóxicos do Brasil, com mais de 200 milhões de litros de “veneno” utilizados anualmente.

Cabral também mencionou um estudo da Agência Pública que encontrou uma mistura de até 27 agrotóxicos na água de diversos municípios de Mato Grosso. Segundo o deputado, muitos desses agrotóxicos são proibidos no Brasil, e outros foram encontrados em quantidades acima do permitido por lei.

Agrotóxicos em Mato Grosso: um problema em debate

A rejeição do projeto acontece em um momento de muita discussão sobre o uso de agrotóxicos em Mato Grosso. Afinal, o estado lidera o consumo dessas substâncias no país.

Em uma audiência pública na ALMT, a professora Márcia Montanari, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), revelou que 170 milhões de litros de agrotóxicos foram usados no estado em 2023. Ela também alertou que o uso prolongado dessas substâncias pode causar câncer e malformações fetais.

Outras decisões sobre agrotóxicos

Outras decisões sobre agrotóxicos

É importante notar que a ALMT não apenas rejeitou o projeto de transparência. No mesmo período, a Assembleia aprovou o Projeto de Lei 1833/2023, do deputado Gilberto Cattani (PL), que torna as regras para a aplicação de agrotóxicos mais flexíveis em Mato Grosso.

Essa nova lei estabelece distâncias mínimas para a aplicação de agrotóxicos, variando de acordo com o tamanho da propriedade rural, sendo que para pequenas propriedades esse limite não existe. Lúdio Cabral votou contra essa proposta, defendendo distâncias maiores para proteger a população e os recursos hídricos.

Projeto de Lei 1833/2023

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou, em março de 2025, o Projeto de Lei 1833/2023, de autoria do deputado Gilberto Cattani (PL), que altera significativamente as regras para aplicação de agrotóxicos no estado. A medida, que aguarda sanção do governador Mauro Mendes, estabelece distâncias mínimas diferenciadas de acordo com o tamanho das propriedades rurais, efetivamente zerando a distância mínima para pequenas propriedades (tamanho equivalente de até 140 campos de futebol).

A nova regulamentação aprovada

O PL 1833/2023 altera a Lei 8.588, de 27 de novembro de 2006, que regulamenta o uso, produção, comércio, armazenamento, transporte, aplicação e fiscalização de agrotóxicos em Mato Grosso. A proposta foi aprovada com o quarto substitutivo integral e estabelece regras diferentes para propriedades rurais conforme seu tamanho.

As mudanças mais significativas são:

  • Para pequenas propriedades (até 4 módulos fiscais): aplicação liberada, independentemente de qualquer distância mínima de áreas protegidas, povoações, moradias, mananciais de água ou nascentes.

  • Para médias propriedades (de 4 a 15 módulos fiscais): distância mínima de 25 metros.

  • Para grandes propriedades (acima de 15 módulos fiscais): distância mínima de 90 metros.

O texto também altera a terminologia na legislação estadual, substituindo o termo “agrotóxicos” por “defensivos agrícolas”.

O que são módulos fiscais

Para compreender o impacto da medida, é importante entender o conceito de módulo fiscal. Trata-se de uma unidade de medida em hectares, cujo valor é fixado pelo INCRA para cada município, considerando:

  • O tipo de exploração predominante no município.

  • A renda obtida com essa exploração.

  • Outras explorações existentes que sejam significativas.

  • O conceito de “propriedade familiar”.

Em Mato Grosso, o tamanho do módulo fiscal varia entre 60 e 100 hectares, dependendo do município. Isso significa que uma pequena propriedade pode ter até 400 hectares em algumas regiões do estado.

Contexto da legislação anterior

A legislação anteriormente vigente estabelecia uma distância mínima uniforme de 90 metros para aplicação de agrotóxicos, independentemente do tamanho da propriedade3. No entanto, essa regulamentação já era alvo de disputa judicial.

Em 2009, a Lei 8.588/2006 foi regulamentada com uma distância mínima de 300 metros. Em 2013, o então governador Silval Barbosa reduziu essa distância para 90 metros através de um decreto, o que foi questionado pelo Ministério Público7. A ação judicial buscava restaurar as distâncias originais de:

  • 300 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água

  • 150 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais

  • 200 metros das nascentes, ainda que intermitentes.

Controvérsias e posicionamentos

O projeto foi aprovado com apenas três votos contrários, dos deputados Wilson Santos (PSD), Lúdio Cabral (PT) e Valdir Barranco (PT). A votação gerou intenso debate na Assembleia Legislativa.

Argumentos favoráveis

Os defensores do projeto argumentam que a medida visa equilibrar a produção agrícola com a proteção ambiental, adaptando as regras ao tamanho das propriedades. O deputado Dr. João (MDB) afirmou: “Eu voto a favor do desenvolvimento de Mato Grosso e quem produz em Mato Grosso”.

Argumentos contrários

Os críticos argumentam que o projeto, apelidado de “PL do Veneno sem Limites”, coloca em risco a saúde pública e o meio ambiente. Especialistas recomendam uma distância mínima de pelo menos 300 metros entre áreas de aplicação de agrotóxicos e zonas sensíveis, baseando-se em estudos científicos que detectaram efeitos negativos a mais de 250 metros das áreas tratadas.

O deputado Wilson Santos criticou a aprovação sem análise técnica adequada: “Estamos aprovando um projeto que aumenta o veneno na população. Para mim, o caminho é a agricultura sustentável”.

Questões jurídicas

Há questionamentos quanto à constitucionalidade da medida. Edilene Fernandes, consultora jurídica do Observa-MT, afirmou que o projeto é inconstitucional por invadir competências federais.

“Em linhas gerais, o direito ao meio ambiente é a legislação competente dos estados, municípios e federal. A ordem federal dita normas gerais, os estados suas regulamentações e normas específicas, desde que não flexibilize as normas gerais. Neste caso, há uma flexibilização que não é permitida pela norma federal”, explicou a consultora.

Próximos passos

Atualmente, o PL 1833/2023 aguarda sanção ou veto do governador Mauro Mendes. Caso seja sancionado, grupos opositores já indicaram que recorrerão à justiça para barrar a implementação da lei.

O deputado Lúdio Cabral afirmou: “Se o projeto for sancionado, vamos partir para o caminho da judicialização, pois ele coloca em risco o meio ambiente e a saúde da população”.

Onde estão os limites?

O debate na ALMT expõe um grande desacordo sobre como lidar com os agrotóxicos. De um lado, há quem defenda a transparência e o direito da população à informação. Do outro, há o setor agrícola, que argumenta sobre a importância dos agrotóxicos para a produção.

Durante uma audiência pública, o promotor de justiça Joelson de Campo Maciel criticou o uso do termo “defensivos agrícolas” para se referir aos agrotóxicos. Ele também questionou o argumento de que “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”, afirmando que o glifosato faz mal à saúde a longo prazo.

O biólogo Lucas Ferrante também defendeu a criação de uma área de proteção de 300 metros ao redor dos corpos d’água para a aplicação de agrotóxicos. Segundo ele, essa medida é essencial para proteger as comunidades e a agricultura, evitando a contaminação e o aumento de doenças.

Os argumentos do setor agrícola

Representantes do setor agrícola afirmam que as tecnologias modernas tornam a aplicação de agrotóxicos mais segura. Fernando Ferri, da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), defendeu a redução da área de aplicação, alegando que isso é “essencial e vital para a agricultura mato-grossense”. Ele argumenta que restrições maiores prejudicariam a produção e o abastecimento de grãos.

O engenheiro agrônomo Paulo Bettini também acredita que a redução da margem da área de aplicação não causa danos ao meio ambiente ou à saúde, desde que sejam utilizadas “técnicas de produção e boas práticas de uso de produtos fitossanitários”.

Qual o futuro dessa discussão?

A rejeição do Projeto de Lei nº 198/2023 mostra a tensão entre diferentes visões sobre o uso de agrotóxicos em Mato Grosso. De um lado, a preocupação com a transparência e o direito à informação; de outro, os interesses econômicos do agronegócio.

Além disso, a decisão da ALMT de rejeitar o projeto ocorreu junto com a aprovação de uma lei que flexibiliza as regras para a aplicação de agrotóxicos no estado. Enquanto isso, pesquisadores continuam a alertar sobre os riscos dessas substâncias para a saúde.

É provável que o debate sobre agrotóxicos continue sendo um tema importante na política de Mato Grosso nos próximos anos. Novas pesquisas científicas devem trazer mais informações sobre os impactos dessas substâncias na saúde e no meio ambiente, o que pode influenciar futuras decisões políticas. 

Obrigatoriedade de informação sobre agrotóxicos na água pelas empresas de abastecimento no Brasil

No Brasil, as empresas responsáveis pelo abastecimento de água são legalmente obrigadas a monitorar a presença de agrotóxicos na água destinada ao consumo humano e a reportar esses dados ao governo federal. Contudo, não existe uma obrigatoriedade legal de informar diretamente e de forma clara à população, por meio das contas de água ou outros meios acessíveis, a presença ou os níveis dessas substâncias, mesmo quando detectadas acima dos limites permitidos. O sistema de monitoramento apresenta fragilidades e falhas de transparência, dificultando o acesso público a informações relevantes para a saúde coletiva.

1. Legislação e Normas Vigentes

  • A Portaria GM/MS nº 888/2021, do Ministério da Saúde, estabelece os padrões de potabilidade da água no Brasil e define valores máximos permitidos (VMP) para 40 diferentes agrotóxicos na água para consumo humano.

  • Empresas públicas e privadas de abastecimento são obrigadas a realizar testes periódicos para detecção dessas substâncias e registrar os resultados no Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano).

  • O monitoramento deve ser feito a cada três meses para agrotóxicos, conforme a portaria vigente.

2. Obrigatoriedade de Comunicação ao Público

  • Não há exigência legal para divulgação direta ao consumidor: Apesar da obrigatoriedade de monitoramento e envio dos dados ao Sisagua, a legislação brasileira não obriga as empresas de abastecimento a informar de maneira clara e acessível à população, como nas contas de água, a presença ou os níveis de agrotóxicos detectados, mesmo em situações de não conformidade.

  • Falta de alertas e transparência: Especialistas e entidades como a Fiocruz apontam que as concessionárias não divulgam essas informações de forma clara para a população, nem mesmo quando são encontrados agrotóxicos acima do limite permitido. Não há procedimento de alerta obrigatório para os consumidores em caso de detecção dessas substâncias.

3. Cumprimento e Efetividade do Monitoramento

  • Baixa adesão e falhas no sistema: Uma média de 67% dos municípios brasileiros não envia informações ao governo federal sobre a qualidade da água em relação a agrotóxicos. Mesmo entre os que enviam, muitos relatórios são incompletos ou não seguem o padrão exigido.

  • Interrupção do monitoramento: Desde janeiro de 2023, devido a problemas técnicos no Sisagua, o governo federal não recebe nem publica dados sobre agrotóxicos na água, agravando ainda mais a falta de transparência e dificultando o acesso da sociedade à informação.

  • Acesso público indireto: Os dados enviados ao Sisagua, quando disponíveis, podem ser consultados publicamente, mas o acesso é pouco intuitivo e não há comunicação ativa das concessionárias ao consumidor final.

4. Recomendações Técnicas e Demandas Sociais

  • A Fiocruz e outros especialistas recomendam que a legislação seja aprimorada para:

    • Exigir a divulgação clara e transparente para a sociedade sobre a presença de resíduos de agrotóxicos na água, identificando as substâncias e os níveis detectados.

    • Implementar mecanismos de alerta para a população em caso de detecção, mesmo abaixo do limite permitido, e ações de emergência quando acima do VMP (valor máximo permitido), pois a expectativa ideal seria concentração zero de agrotóxicos na água.

    • Ampliar o número de substâncias monitoradas e reduzir os limites máximos permitidos, adotando padrões mais protetivos, como na União Europeia.

No Brasil, as empresas de abastecimento são obrigadas a monitorar e informar ao governo a presença de agrotóxicos na água, mas não existe obrigatoriedade de informar diretamente à população, seja nas contas de água ou por outros meios acessíveis, sobre a presença dessas substâncias. O sistema de monitoramento e transparência apresenta sérias falhas, e a sociedade civil e entidades científicas demandam mudanças para garantir o direito à informação e à saúde.

Para entender melhor:

  • Agrotóxicos: Produtos químicos usados para controlar pragas em plantações.
  • ALMT: Assembleia Legislativa de Mato Grosso.
  • Projeto de Lei: Proposta de nova lei.
  • Transparência: Abertura e clareza nas informações.
  • Flexibilização: Tornar as regras menos rígidas.

Leia mais: Apadrinhado de Max Russi, vereador Dr. Miguel Júnior, responderá por crime de desobediência.

Leia também: Desvendando o mundo: a importância de ciências e natureza na educação infantil

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