Apelidado de “PL da Devastação”, texto que altera drasticamente regras para licenças ambientais avançou nesta quarta-feira (21), acendendo alerta máximo para o futuro da proteção ambiental no Brasil e os direitos de comunidades tradicionais.
Numa decisão que ecoou como um alarme para a proteção ambiental brasileira, o Senado Federal deu sinal verde, nesta quarta-feira, 21 de maio de 2025, ao controverso Projeto de Lei 2.159/2021. A medida, que altera profundamente as regras para o licenciamento de atividades e empreendimentos no país, avançou após uma tumultuada tramitação de quase duas décadas. Esse longo percurso, no entanto, não aplacou as profundas preocupações de ambientalistas, órgãos de fiscalização e defensores de direitos humanos, que temem um retrocesso histórico nas já combalidas salvaguardas ambientais brasileiras. O que está por trás dessa proposta tão criticada?
Uma trajetória marcada por controvérsias
A história do PL 2.159/2021 é longa e sinuosa. Originalmente protocolado em 2004 (como PL 3729/2004), o texto hibernou por 17 anos na Câmara dos Deputados antes de ser aprovado em 2021 e remetido ao Senado. Ali, por quase quatro anos, a matéria foi alvo de intensos debates nas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), tendo como relatores, respectivamente, os senadores Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS) – esta última, uma notória defensora do agronegócio.
A proposta se vende como uma tentativa de unificar normas e “modernizar” a emissão de licenças ambientais. Na prática, porém, o que se desenha é uma flexibilização que pode custar caro ao meio ambiente e à sociedade.
As questionáveis justificativas para a flexibilização
Os defensores do projeto, embalados por um discurso de urgência econômica, alegam que o sistema atual é um nó de burocracia. Para eles, há um excesso de procedimentos, sobreposição de competências e falta de clareza que afugentariam investimentos. O senador Confúcio Moura chegou a classificar o cenário como uma “parafernália de normas em várias instâncias”, gerando, supostamente, insegurança jurídica.
Promessas de agilidade e desenvolvimento
Nesse contexto, a fixação de prazos máximos para manifestação dos órgãos licenciadores é vendida como solução para equilibrar “deveres e obrigações”, trazendo previsibilidade. A coalizão de frentes parlamentares ligadas ao setor produtivo, grande interessada na aprovação, afirma que o projeto resolve “graves problemas do modelo de licenciamento atual, marcado por excessiva burocracia, prazos indefinidos e insegurança jurídica”. O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) chegou a declarar que “não tem país que dê conta de se desenvolver com esse tipo de morosidade”. Será mesmo que o desenvolvimento só pode vir à custa da flexibilização ambiental?
O deputado Hugo Leal (PSD/RJ) tentou dourar a pílula, afirmando que “o licenciamento ambiental não pode ser visto como obstáculo, mas sim como instrumento de desenvolvimento sustentável”. Ele enxerga no PL um “equilíbrio necessário”. Muitos, contudo, questionam onde reside esse equilíbrio quando a balança parece pender tanto para o lado dos empreendedores em detrimento da proteção efetiva.
Adaptação ou afrouxamento?
Outro argumento recorrente é que os empreendimentos devem ter processos “adaptados” ao seu porte e potencial poluidor. A senadora Tereza Cristina defendeu que “dizer que a nova lei é um retrocesso é ignorar a realidade dos últimos 20 anos”, período em que, segundo ela, o Brasil viveu tragédias ambientais mesmo com o modelo atual. A lógica parece ser: se o sistema atual não impediu desastres, a solução seria afrouxá-lo ainda mais?
É aqui que surge a controversa Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Apresentada como simplificação para empreendimentos de “menor impacto”, com fiscalização por amostragem, ela é vista por críticos como um cheque em branco, mesmo com a ressalva de não valer para casos de supressão de vegetação nativa.
O grito de alerta: um desmonte ambiental programado
Se de um lado há promessas de eficiência, do outro, o que se ouve é um uníssono de críticas contundentes que pintam um futuro sombrio.
“PL da Devastação”: um nome autoexplicativo
O apelido “PL da Devastação” não surgiu por acaso. Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e figura de proa no Observatório do Clima, é categórica: o texto “implode com o licenciamento ambiental no Brasil”. Ela o classifica como “o maior retrocesso na legislação ambiental dos últimos 40 anos, desde a Constituição”.
O próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em uma rara e dura manifestação, alertou que o PL 2159 representa “uma desestruturação significativa do regramento existente”. Para o ministério, a proposta “representa risco à segurança ambiental e social no país”, “afronta diretamente a Constituição Federal” e, crucialmente, “viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental”. Palavras que deveriam soar todos os alarmes.
Licença por Adesão e Compromisso (LAC): a porteira aberta
A LAC é, talvez, um dos pontos mais nevrálgicos. Esta modalidade, que na prática se assemelha a uma autodeclaração simplificada, é duramente criticada. Segundo Suely Araújo, com a LAC, “Você só faz um documento descrevendo o empreendimento. E você não apresenta alternativas técnicas e locacionais, que estão na essência da avaliação de impactos ambientais”. Ou seja, a análise prévia, fundamental para prevenir danos, pode ser simplesmente ignorada.
O perigo, apontam os ambientalistas, é que essa “licença facilitada” se torne regra. Eles estimam que, com as novas disposições, “90% dos processos de licenciamento no Brasil vão passar a ser um apertar de botão e a licença está impressa”. Uma verdadeira liberalização que ignora os riscos inerentes a muitas atividades.
Povos tradicionais e áreas protegidas: os grandes perdedores?
Os impactos sobre povos indígenas e comunidades tradicionais são outra fonte de imensa preocupação. O PL determina que apenas terras indígenas já homologadas e territórios quilombolas com titulação definitiva sejam considerados nos licenciamentos. Essa exigência ignora frontalmente decisões do Supremo Tribunal Federal, que reconhecem o caráter declaratório – e não apenas constitutivo – dos processos de demarcação.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fez as contas e o resultado é assustador: cerca de 40% das terras indígenas e impressionantes 87% dos territórios quilombolas poderiam ser simplesmente varridos do mapa dos licenciamentos. Como se não bastasse, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) perderia seu poder de veto em processos que afetem unidades de conservação, tornando-se um mero órgão consultivo. Sua voz poderá ser ouvida, mas não necessariamente seguida.
Brasil na contramão do clima e dos acordos internacionais
Em um momento crítico para o planeta, e às vésperas do Brasil sediar a COP30 em Belém, o projeto parece remar na direção oposta aos compromissos climáticos. O Observatório do Clima adverte em manifesto que “a aprovação desse projeto vai comprometer seriamente a credibilidade ambiental do país”.
É sintomático, e alarmante, que o texto aprovado “sequer menciona a palavra ‘clima'”. Se transformado em lei, alertam os especialistas, o Brasil pode ver minada sua capacidade de cumprir as metas de redução de emissões do Acordo de Paris. A ANPR também destaca o choque do PL com a Política Nacional de Mudança do Clima e a Convenção do Clima.
Pontos críticos que escancaram as falhas
Algumas disposições específicas do projeto são particularmente reveladoras de sua natureza problemática.
Agropecuária: via livre para o desmatamento indireto?
A dispensa de licenciamento para uma vasta gama de atividades agropecuárias – como cultivo de grãos, cana, fruticultura e pecuária – é um dos pontos mais controversos. A única exigência é que o imóvel esteja regular ou em regularização no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um sistema autodeclaratório. Críticos apontam que “o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório passa a ser suficiente para garantir a dispensa, sem qualquer verificação sobre impactos ambientais”. Embora defensores digam que outras licenças (como para desmatamento) ainda seriam necessárias, a ausência de um licenciamento integrado da atividade é vista como uma grave lacuna.
O perigo da “municipalização” do impacto
A proposta de permitir que municípios definam a tipologia e classificação de porte dos empreendimentos é vista por Suely Araújo como um convite à “guerra ambiental”. A especialista teme que investidores passem a barganhar com prefeitos por enquadramentos mais brandos, ignorando o real potencial poluidor. Ela recorda que as barragens de Mariana e Brumadinho, causadoras de desastres incomensuráveis, eram classificadas como de médio porte. “Grande parte dos empreendimentos minerários, que são muito impactantes, não são classificados como grande porte e grande impacto”, adverte.
Um futuro incerto e ameaçador: o que esperar?
A aprovação do PL 2.159/2021 pelo Senado nesta quarta-feira é um divisor de águas – e um motivo de profunda apreensão. Embora o texto ainda dependa de sanção presidencial, o cenário que se desenha é preocupante. A implementação desta lei, caso confirmada, certamente será judicializada, com fortes argumentos sobre sua inconstitucionalidade. Mais do que isso, ela representa um risco real de desmantelamento da proteção ambiental, conquistada a duras penas ao longo de décadas.
O Brasil se coloca, assim, diante de uma escolha crucial: ceder às pressões por um suposto desenvolvimento a qualquer custo ou honrar seu papel como guardião de uma das maiores biodiversidades do planeta. Às vésperas da COP30, a mensagem enviada com a aprovação deste projeto não poderia ser pior. Resta à sociedade civil e às instituições que ainda prezam pelo futuro ambiental do país manterem-se vigilantes e combativas. O “sinal verde” do Senado pode significar um sinal vermelho para o meio ambiente.
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