A crescente presença de microplásticos (MP) em águas potáveis configura um desafio global. Essa situação, além disso, demanda atenção imediata e ações efetivas. Essas partículas, invisíveis a olho nu, têm sido encontradas em diversas matrizes ambientais. Elas estão presentes, por exemplo, em solos e oceanos, até mesmo no corpo humano, representando, portanto, uma ameaça à saúde pública e aos ecossistemas. Conforme estudo apresentado no V Congresso Brasileiro de Saúde On-line (2024) (Conbrasau), a necessidade de aprofundar estudos sobre seus impactos, bem como estabelecer medidas regulatórias robustas, torna-se cada vez mais urgente.
A emergência do problema
A contaminação por microplásticos em água potável é um problema sério e crescente. A busca por soluções para esse problema é fundamental, visto que ele impacta diretamente a saúde humana e ambiental.
O que são microplásticos?
Os microplásticos são fragmentos de plástico com dimensões reduzidas. Geralmente, elas são inferiores a 5 milímetros. Eles podem surgir de diferentes maneiras. A degradação de materiais plásticos maiores no meio ambiente gera microplásticos. Outro ponto é a produção intencional para serem utilizados em produtos específicos. A Agência Europeia de Químicos (ECHA), por exemplo, especifica que microplásticos são partículas que contêm polímeros sólidos. Mais de 1% (peso/peso) das partículas têm todas as dimensões entre 0,1 µm e 5 mm. No caso de fibras, elas devem apresentar um comprimento entre 0,3 µm e 15 mm, com uma relação comprimento/diâmetro maior que três.
Fontes de microplásticos no ambiente
A União Europeia considera o desgaste de pneus, perdas de pellets de pré-produção e a lavagem de roupas como as principais fontes de lançamento anual de microplásticos. Nos oceanos, eles podem entrar por meio da decomposição de itens plásticos maiores. A lixiviação de aterros sanitários, lodos de sistemas de tratamento de esgoto, partículas transportadas pelo ar e escoamento da agricultura, além disso, também contribuem para a poluição. A quebra de navios e perdas acidentais de cargas no mar, por fim, também são um problema.
Impactos na saúde humana
Os microplásticos representam, portanto, um risco multifacetado para a saúde humana. Sua ingestão, inalação ou absorção cutânea pode levar ao acúmulo dessas partículas em diversos órgãos, incluindo a placenta. Os riscos associados aos microplásticos podem ser divididos em: danos físicos, químicos e biológicos.
Danos físicos, químicos e biológicos
A ingestão de MP pode causar obstrução do trato gastrointestinal. Isso diminui, portanto, a absorção de nutrientes. A exposição contínua a essas partículas pode causar inflamações e a possível transposição de barreiras físicas. Além disso, os microplásticos têm a capacidade de absorver substâncias tóxicas presentes no meio ambiente. Metais pesados e poluentes orgânicos são, por exemplo, substâncias absorvidas. Essas substâncias podem ser liberadas no organismo, causando, assim, danos à saúde. Patógenos e microrganismos nocivos também podem ser carregados pelos microplásticos. Isso aumenta, em consequência, o risco de infecções e doenças. Eles também causam estresse oxidativo e citotoxicidade. Doenças respiratórias, cardiovasculares, virais e neoplasias também estão associadas aos microplásticos.
Pesquisas, além disso, têm demonstrado que microplásticos podem ser detectados no leite materno. Essa situação gera, por conseguinte, preocupações sobre os impactos na saúde das futuras gerações. A exposição diária a essas partículas causa danos ao sistema respiratório, como apontam pesquisas de Araujo et al. (2023) e Montagner et al. (2021).
Microplásticos em águas potáveis: uma via de exposição preocupante
A água se tornou uma relevante via de ingestão de microplásticos pela população. Estudos comprovam a presença desses poluentes em águas de torneira e em águas engarrafadas. Uma pesquisa de Danopoulos, Twiddy e Rotchell (2020) revelou a contaminação por MP tanto em amostras de água encanada quanto em água engarrafada. A pesquisa de Teotônio (2020), realizada em Brasília, encontrou microplásticos na água distribuída à população do Plano Piloto.
Uma pesquisa de Goerck (2023), demonstrou que microplásticos são encontrados em águas tratadas com processos convencionais de coagulação e filtração. Goerck estima que o consumo diário de água potável leva à ingestão de 69 µg de microplásticos. Os principais efeitos desses poluentes sobre a saúde humana são os carcinogênicos, mutagênicos e toxicidade aguda.
Níveis de contaminação e a necessidade de estudos adicionais
Embora já se tenha comprovado a presença de microplásticos em águas de consumo, há pouca informação sobre os níveis de contaminação em escala global. Algumas pesquisas sugerem que a contaminação pode ser maior em águas engarrafadas do que em águas de torneira. Outras, no entanto, apontam o contrário. Estudos realizados na Dinamarca, por exemplo, indicaram baixa contaminação por MP em águas distribuídas para consumo humano. Os valores estavam abaixo do limite de detecção dos métodos. Kirstein (2021), no entanto, ressalta que existe pouca informação sobre a contaminação da água por microplásticos. É preciso, portanto, cautela ao comparar os dados entre água engarrafada e de torneira.
Regulamentação e a busca por soluções
A crescente preocupação com a contaminação por microplásticos em águas potáveis levou à criação de normas. O objetivo é padronizar a definição desse poluente e criar metodologias de identificação e quantificação. A Califórnia e a União Europeia foram pioneiras na inclusão dos microplásticos como poluentes de preocupação. Ambas publicaram metodologias oficiais para sua medição em água potável.
Iniciativas da Califórnia e da União Europeia
O estado da Califórnia, por meio da Resolução nº 2020-0021 do Conselho Estadual de Controle de Recursos Hídricos (CSWRCB), estabeleceu a definição de “microplásticos na água potável”. Em 2023, o CSWRCB publicou um manual com métodos de teste para detecção dessas partículas. A resolução nº 2022-0032 estabelece tais métodos. A União Europeia (UE), em 2020, publicou uma revisão de sua norma relacionada à qualidade da água destinada ao consumo humano. O microplástico foi incluído como uma das substâncias de preocupação por motivos de saúde. Por meio da Decisão Delegada da Comissão que Completa a Diretiva 2020/2184, a UE publicou a metodologia para medição de microplásticos na água destinada ao consumo humano.
A necessidade de regulamentação no Brasil
No Brasil, entretanto, ainda não há regulamentação específica sobre microplásticos em água potável. A Portaria GM/MS nº 888/2021, que estabelece os parâmetros de potabilidade da água, não menciona o microplástico. Carlosso (2024) defende, assim, a inclusão do MP como parâmetro na legislação brasileira. Ele afirma que o microplástico atende a cinco dos seis critérios analisados. A falta de parâmetros e metodologias padronizadas dificulta a avaliação e o controle da contaminação por microplásticos no país.
O papel da pesquisa e do engajamento social
É fundamental aprofundar os estudos científicos sobre os impactos dos microplásticos. Esses estudos devem incluir a análise da saúde humana e do meio ambiente. Além disso, eles devem ter métodos analíticos padronizados e análises em diversas fontes de água. É preciso, também, investir em tecnologias para remover os microplásticos dos sistemas de tratamento de água. Outro ponto importante é desenvolver alternativas sustentáveis aos plásticos tradicionais. A conscientização da população sobre os riscos associados aos microplásticos é primordial. O engajamento da sociedade em ações de redução do uso de plástico e descarte correto também é essencial.
Conclusão: a rgência de ações coordenadas
A contaminação por microplásticos em águas potáveis é um problema de escala global. Ele requer, portanto, ação coordenada entre governos, cientistas, empresas e a sociedade civil. A falta de regulamentação específica no Brasil demonstra a urgência na adoção de medidas. O objetivo dessas medidas é monitorar, controlar e reduzir a presença dessas partículas em águas destinadas ao consumo. O foco deve ser proteger a saúde da população e preservar os ecossistemas. A pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico e a conscientização pública são, sem dúvida, pilares fundamentais para enfrentar essa ameaça e garantir um futuro mais sustentável.