Em novembro de 2024, o Carrefour, uma das maiores redes de supermercados da França, anunciou que deixaria de comercializar carne proveniente dos países do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — em suas lojas francesas. Essa decisão foi tomada em meio a protestos de agricultores franceses contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, temendo que a entrada de produtos sul-americanos pudesse prejudicar a agricultura local.
A medida gerou forte reação no Brasil. Grandes frigoríficos brasileiros, como JBS, Marfrig e Masterboi, suspenderam o fornecimento de carne às lojas do Carrefour no Brasil em retaliação à decisão da matriz francesa. O ministro da Agricultura brasileiro, Carlos Fávaro, apoiou a ação dos frigoríficos, considerando-a uma resposta adequada ao que foi percebido como uma atitude protecionista por parte do Carrefour.
Diante da repercussão negativa e das consequências comerciais, o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, enviou uma carta ao ministro Carlos Fávaro pedindo desculpas pela “confusão” causada e elogiando a qualidade da carne brasileira. Bompard destacou que o Carrefour Brasil, com mais de 130 mil colaboradores, compra quase toda a carne de fornecedores nacionais e reafirmou a parceria de 50 anos com o setor agropecuário local.
Apesar das desculpas, o episódio gerou discussões sobre protecionismo e as relações comerciais entre o Brasil e a França, especialmente no contexto do acordo Mercosul-União Europeia. Parlamentares brasileiros planejam levar o tema à próxima Sessão Plenária do Parlamento do Mercosul (Parlasul) em dezembro, buscando uma estratégia conjunta do bloco para superar resistências na Europa.
A decisão inicial do Carrefour de boicotar a carne do Mercosul, seguida pela reação dos frigoríficos brasileiros e a subsequente retratação da empresa, evidenciou as tensões comerciais e diplomáticas entre o Brasil e a França, além de destacar a sensibilidade do setor agropecuário em negociações internacionais.
Após a divulgação da carta de retratação do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, em relação às declarações sobre a carne brasileira, houve reações significativas por parte de parlamentares brasileiros. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), classificou a retratação como “muito fraca”, considerando os danos à imagem do mercado brasileiro causados pelas declarações iniciais de Bompard.
Lira também criticou o protecionismo europeu, especialmente da França, e anunciou que a Câmara analisaria um projeto de lei sobre “reciprocidade econômica” entre países. Essa proposta visa vedar a assinatura de acordos internacionais que limitem a exportação de produtos brasileiros, sem que os outros países signatários adotem medidas de proteção ambiental equivalentes.
Além disso, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou um requerimento convidando o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, e o CEO do Carrefour na França, Alexandre Bompard, para prestar esclarecimentos sobre o posicionamento do país europeu e eventuais boicotes promovidos por grandes marcas francesas contra o setor produtivo brasileiro.
Em 26 de novembro de 2024, a Assembleia Nacional da França realizou uma votação simbólica na qual 484 dos 555 deputados presentes expressaram oposição ao acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Durante o debate, parlamentares de diversos espectros políticos manifestaram preocupações significativas, especialmente em relação à qualidade da carne brasileira e aos impactos ambientais associados ao acordo.
O deputado Vincent Trébuchet, da aliança entre os partidos de direita e extrema-direita Les Républicains (LR) e Rassemblement National (RN), afirmou:
“Nossos pratos não são latas de lixo.”
Essa declaração reflete uma crítica contundente à qualidade dos produtos alimentares provenientes do Mercosul, em particular da carne brasileira.
A deputada Hélène Laporte, também do Rassemblement National, acrescentou:
“A pecuária brasileira não pode ser usada de modelo.”
Essa observação destaca as preocupações com os padrões de produção pecuária no Brasil, sugerindo que eles não atendem aos critérios considerados adequados pela França.
Essas declarações ocorreram em um contexto de protestos de agricultores franceses contra o acordo, temendo que a entrada de produtos sul-americanos pudesse prejudicar a agricultura local. A votação na Assembleia Nacional, embora simbólica, reforçou a posição do governo francês, liderado pelo presidente Emmanuel Macron, que já havia manifestado oposição “firme” ao pacto “em sua forma atual”.
A resistência ao acordo também se alinha a preocupações ambientais, com críticos argumentando que ele poderia incentivar o desmatamento e práticas agrícolas insustentáveis nos países do Mercosul. A França, portanto, busca renegociar termos que incluam cláusulas ambientais mais rigorosas e garantias de proteção ao setor agrícola europeu.
O parlamento francês se posiciona contra o acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul por várias razões, que envolvem preocupações ambientais, econômicas e sociais. Esses pontos refletem uma resistência tanto política quanto de segmentos importantes da sociedade francesa, como os agricultores. Veja os principais motivos:
1. Preocupações ambientais
- Desmatamento e mudanças climáticas: Parlamentares franceses argumentam que o acordo poderia incentivar o desmatamento em larga escala, especialmente na Amazônia, para a expansão de áreas de cultivo e pecuária nos países do Mercosul. Isso contraria os compromissos climáticos globais, como o Acordo de Paris, do qual a França é signatária.
- Padrões ambientais divergentes: A França defende que os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) não possuem padrões ambientais e regulatórios tão rigorosos quanto os da União Europeia. Isso criaria uma vantagem competitiva desigual.
2. Concorrência desleal no setor agropecuário
- Impacto no Setor Agrícola Francês: A entrada de produtos agrícolas mais baratos do Mercosul, como carne bovina, aves e soja, é vista como uma ameaça aos agricultores franceses. Eles alegam que esses produtos são produzidos sob condições menos rigorosas, com custos mais baixos devido a diferenças nas legislações trabalhista, ambiental e sanitária.
- Prejuízo aosaAgricultores locais: Produtos do Mercosul competiriam diretamente com os alimentos produzidos na França, colocando em risco a subsistência de pequenos agricultores franceses que já enfrentam desafios econômicos.
3. Qualidade e segurança alimentar
- Questões sanitárias: Os parlamentares têm levantado dúvidas sobre a qualidade e os padrões de segurança alimentar dos produtos agrícolas do Mercosul. Eles afirmam que os alimentos importados podem não cumprir os mesmos critérios de qualidade exigidos pela UE.
- Proteção ao consumidor: Há uma preocupação de que os consumidores franceses possam ser expostos a produtos que utilizam práticas proibidas na UE, como o uso de certos pesticidas ou hormônios.
4. Protecionismo e soberania alimentar
- Preservação do Modelo Agrícola Europeu: Muitos parlamentares defendem o modelo agrícola europeu, que valoriza a sustentabilidade, a produção local e a soberania alimentar. O acordo é visto como uma ameaça a esses princípios.
- Dependência Econômica: A França teme que o acordo aumente a dependência europeia de importações de alimentos do Mercosul, enfraquecendo a produção local.
5. Pressões políticas e sociais
- Protestos de agricultores: Agricultores franceses têm pressionado o parlamento e o governo contra o acordo, organizando protestos e manifestando forte oposição. Eles alegam que o pacto seria prejudicial ao setor agrícola europeu.
- Compromissos políticos de Emmanuel Macron: O presidente francês prometeu vetar qualquer acordo que não incluísse cláusulas ambientais e sanitárias mais rigorosas. A oposição no parlamento fortalece a postura de Macron contra o pacto “em sua forma atual”.
Essa resistência também sinaliza um protecionismo velado, uma vez que o acordo poderia beneficiar economicamente outros países da UE, enquanto colocaria em risco setores estratégicos franceses.
Flexibilização das leis ambientais dentro da França
Em 2024, a França enfrentou uma série de protestos organizados por agricultores que expressavam insatisfação com políticas governamentais e regulamentações ambientais percebidas como excessivamente restritivas. Essas manifestações resultaram em negociações entre os sindicatos agrícolas e o governo francês, levando a ajustes em determinadas políticas para atender às demandas dos manifestantes.
Contexto dos Protestos
Os agricultores franceses mobilizaram-se contra o que denominaram uma “overdose” de regulamentações impostas pelo Acordo Verde da União Europeia. As medidas de adaptação a uma agricultura mais sustentável exigiam investimentos significativos em modos de produção, em um momento em que os subsídios financiados pela Política Agrícola Comum (PAC) estavam diminuindo, afetando a remuneração dos produtores.
Demandas dos agricultores
Entre as principais reivindicações dos agricultores estavam:
- Revisão das regulamentações ambientais: Solicitação de flexibilização nas normas ambientais que impactavam diretamente as práticas agrícolas.
- Manutenção de subsídios: Defesa da continuidade de subsídios, especialmente relacionados ao uso de diesel agrícola, fundamental para as operações no campo.
- Concorrência justa: Preocupações com acordos comerciais, como o entre a União Europeia e o Mercosul, que poderiam introduzir produtos agrícolas de países com padrões regulatórios diferentes, afetando a competitividade dos produtores franceses.
Resposta do Governo Francês
Em resposta às manifestações, o governo francês implementou as seguintes medidas:
- Manutenção dos subsídios ao diesel agrícola: O governo anunciou que abandonaria planos para reduzir gradualmente os subsídios estatais ao diesel usado em veículos agrícolas, atendendo a uma das principais demandas dos agricultores.
- Revisão de regulamentações ambientais: Comprometeu-se a pressionar a União Europeia por mudanças nas leis ambientais que afetavam as terras agrícolas, buscando um equilíbrio entre sustentabilidade e viabilidade econômica para os agricultores.
Impacto e Consequências
As concessões do governo resultaram em uma redução significativa dos protestos, com os sindicatos agrícolas pedindo o fim dos bloqueios após o anúncio das medidas. Arnaud Rousseau, do principal sindicato de agricultores da França, FNSEA, afirmou que era “hora de voltar para casa” e encerrar os bloqueios.
No entanto, os sindicatos alertaram que outros tipos de protestos continuariam e que voltariam às ruas se o governo não cumprisse as promessas feitas. Isso indica que, embora as medidas tenham trazido alívio temporário, a vigilância por parte dos agricultores permanece ativa para garantir a implementação efetiva das políticas acordadas.