O livro em uma mão e a bola na outra. Para André, de 9 anos, a tela do celular não atrai como a história ilustrada de Romeu e Julieta. Ele achou a história desse tal de William Shakespeare até criativa. E o suficiente para deixar a tela pequena de lado. “No celular, é tudo sempre igual. O livro é sempre diferente”, diz o garoto, morador da região administrativa de São Sebastião, a 35 quilômetros do centro de Brasília.
Ele é um dos leitores assíduos da Biblioteca Comunitária do Bosque, uma iniciativa de um casal formado por um ex-vigilante aposentado, Sebastião José Borges, de 52 anos, e de uma dona de casa, Dilma Mendes, de 58 anos, apaixonados por literatura.
Bibliotecas comunitárias como a deles podem vir a ser contempladas por uma iniciativa do Ministério da Cultura, que lançou, no dia 17 deste mês, o edital do Prêmio Pontos de Leitura 2023. Segundo o edital, serão destinados R$ 9 milhões para premiar 300 bibliotecas comunitárias por suas ações de promoção da leitura e da literatura com o valor bruto de R$ 30 mil para cada
Nessa biblioteca em São Sebastião, o acervo é de mais de 10 mil livros. Todos chegaram por doação. Eles não esperavam que a ideia gerada em 2004 e que tomou forma no ano seguinte tomasse forma de realidade. Inconformados com a falta de ponto de cultura e diversão no lugar em que moravam, passaram a movimentar a vizinhança. Primeiro, com a prática de esportes.
Depois, viram que o livro poderia mexer com a comunidade. Pouco a pouco, a sala da biblioteca na frente da casa deles foi sendo tomada por estantes e obras que faziam as pessoas viajar, assim como sempre fizeram com Sebastião, o ex-vigilante fascinado por Guimarães Rosa e as agruras de Grande Sertão: Veredas. “Gosto da história do povo sertanejo”, diz.
A biblioteca era para funcionar “somente” de segunda a sexta-feira. Mas a batida no portão é de domingo a domingo.
“Nosso trabalho é muito simples. Nós nos sentimos vitoriosos quando alguém diz que deixou de lado os celulares e os computadores porque estão empolgados com os livros”.
Empolgada, aliás, é uma palavra utilizada pela aposentada Lucivalda Lopes, de 54 anos de idade, quando fala dos romances de ficção que leva a tiracolo por onde vai. “Não assisto mais novelas. Meu negócio é o romance. Me perco até no horário”. Agora, a tentativa dela é fazer com que o filho e os netos a acompanhem nessa mania. “Venho todos os dias na biblioteca comunitária”.
Ocorre que a biblioteca para a comunidade ganhou um significado até maior do que a reunião dos livros. O ponto de cultura promove na rua feira literária, festas culturais, ações de solidariedade que deixaram o lugar famoso na região, que é um dos mais carentes do Distrito Federal.
Mobilização
Para o diretor de livro, leitura, literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura, Jéferson Assumção, pela função que as bibliotecas exercem, é necessário apoio, como o do edital lançado neste mês. “Significa reconhecer a importância dessa mobilização que é para colocar o livro naqueles lugares que, muitas vezes, não têm equipamentos culturais, têm uma mobilização”.
Ele identifica que a biblioteca comunitária é capaz de estabelecer relações de formas autônomas. “Atua na promoção da diversidade e também no combate à desigualdade. Isso é algo muito importante. Existem bibliotecas comunitárias no Brasil inteiro e a criatividade do brasileiro é muito grande”.
Contra desinformação
Ele concorda que a comunidade passa a se organizar em volta desse lugar, que é um ponto de cultura e excede até a própria figura do livro.
“A gente está lendo um livro e está nos instrumentalizando cada vez mais para ler a complexidade do mundo”.
As bibliotecas comunitárias, no entender dele, têm esse papel de servir como um espaço que congrega as pessoas. “São fundamentais para compreendermos um mundo cada vez mais fragmentado, cheio de ruído e de desinformação que inundam a sociedade”.
Edição: Carolina Pimentel