No dia 1° de outubro, os cidadãos dos 217 municípios maranhenses vão escolher, de maneira unificada, os conselheiros tutelares de suas cidades. Este ano, a escolha desses representantes que têm função extremamente relevante na proteção dos direitos de crianças e adolescentes, vai acontecer em urnas eletrônicas em mais de 100 municipalidades. Em São Luís, serão eleitos 50 conselheiros titulares e 100 suplentes, que atuarão nos 10 conselhos existentes na capital do estado.
O Conselho Tutelar foi criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O órgão tem como função elementar atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou de risco. Esse atendimento deve ocorrer, independentemente do horário, do local e do lugar, seja em espaço público, seja em ambiente privado. Ou seja, entre outras funções, os conselheiros são chamados a agir em casos de denúncia de ameaça ou violação consumada de direitos da criança e do adolescente, atuando, por exemplo, no combate a situações de negligência, maus-tratos, exploração sexual e violência física e psicológica.
Os conselheiros também são responsáveis pela fiscalização das políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes.
Conselheiro
O conselheiro tutelar da área rural de São Luís, Cosmo de Jesus Pereira de Assis, aponta que essa atuação é fundamental e estratégica na proteção jurídica e social dos direitos da criança e do adolescente. Conselheiro tutelar pela primeira vez em 2008, Cosmo aponta como fundamental a necessidade de os candidatos conhecerem o ECA e as leis complementares que tratam dos direitos de crianças e adolescentes.
À Agência Brasil, ele disse que começou a entender mais sobre os direitos quando passou a integrar a rede de Jovens do Nordeste, ligada à Associação de Saúde da Periferia (ASP) do Maranhão. Foi durante essa militância que Cosmo conheceu outros movimentos sociais e teve contato com o Conselho Tutelar de Itaqui-Bacanga, em São Luís. Após participar de diversos momentos formativos, como oficinas, palestras, rodas de diálogo dobre os direitos da criança e do adolescente, decidiu ser conselheiro.
“O grande desafio do conselheiro tutelar é que primeiro ele precisa conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente, as leis complementares, as emendas feitas na Constituição que alteram o ECA. É preciso estar em constante estudo”, disse.
Esse conhecimento é fundamental na hora de o conselheiro tutelar acionar as organizações do Sistema de Garantis de Direitos prevista no ECA e que integram a rede de proteção de crianças e adolescentes para requisitar serviços e atendimentos diversos. A rede é composta pela articulação de ações, programas e serviços, bem como a integração operacional entre os mais diversos órgãos públicos encarregados de sua execução.
Cosmo cita um caso de uma adolescente atendida pelo conselho tutelar, para exemplificar a importância da rede e dos conselheiros. O caso partiu de uma denúncia de vulnerabilidade social e maus-tratos envolvendo uma adolescente que também era usuária de substâncias psicoativas. Após desentendimentos com a mãe, em razão de um relacionamento afetivo, a adolescente acabou indo parar na rua, mas o conselho interveio e promoveu o acolhimento institucional em um abrigo. Para completar a situação, a adolescente havia se tornado mãe recentemente.
“Ela foi acolhida e ela estava com uma criança, sua filha, mas ela não queria voltar para casa da mãe por conta dela não aceitar o seu relacionamento”, relatou Cosmo. Ela foi acolhida, mas a situação dela não era de acolhimento institucional, ela não tinha esse perfil porque ela tinha referência familiar”, complementou.
Diante da situação, o conselho promoveu reuniões com o Centro de Referência da Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializada da Assistência Social (Creas), a coordenação do abrigo e a Promotoria da Infância e decidiram fazer um trabalho para que a adolescente saísse do acolhimento institucional, voltando para o convívio da família para que os vínculos afetivos pudessem se fortalecer.
“Mas dando um suporte para a família que ela recém construiu pudesse se sustentar. Ele, o companheiro adolescente, foi encaminhado para o primeiro emprego. Conseguimos alguém do núcleo familiar que recebesse essa adolescente com a criança, que no caso foi a avó paterna. O Cras e o Creas do município fizeram todo o acompanhamento, doação de cestas básicas, até que o adolescente e seu núcleo familiar pudessem se sustentar”, contou Cosmo.
“Hoje, eles já estão vivendo por conta própria, sem precisar do auxílio socioassistencial. Ela já está no primeiro emprego, concluindo ensino médio. Nós requisitamos uma vaga no ensino técnico, ela fez uma prova de avaliação, passou e está seguindo a vida com seus direitos garantidos, tanto dela, que ainda é adolescente, como da filha”, relatou o conselheiro.
Cosmo, que não é candidato à reeleição, ressalta que o poder conferido ao Conselho Tutelar vem acompanhado de uma enorme responsabilidade, e isso deve se refletir na forma de atuação do Conselho Tutelar, que deve ser voltada não apenas ao atendimento de casos individuais.
“Esse é um dos atendimentos que o conselho faz. A importância do conselho é fortalecer o vínculo. Ele requisita serviços públicos na área de educação, atendimentos médicos quando a criança ou adolescente tem seus direitos violados. Ele requisita atendimentos socioassistenciais, psicólogos, ele mobiliza toda a rede a fim de que a criança e o adolescente tenham os seus direitos restaurados”, explicou o conselheiro, apontando como um dos desafios a sistematização de dados e a disponibilização para a rede de proteção.
O principal sistema disponível para os conselhos do país é o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia). O sistema viabiliza acesso, para além dos conselhos tutelares, aos operadores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.
“Hoje em dia, o grande desafio é para o uso do Sipia, para que toda a rede tenha conhecimento das medidas de proteção que os conselhos de tutelares aplicam e para que cada um faça sua atribuição, no intuito de efetivar o direito violado dessa criança e adolescente”, observou.
Eleição
O secretário-geral do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca) do Maranhão, Deilson Louzeiro, lembra que o processo de escolha dos conselheiros tutelares é um momento importante de exercício da cidadania e mobilização da sociedade em torno dos direitos infantojuvenis. O Cedca vai acompanhar, junto ao Ministério Público do Maranhão, o processo de escolha dos conselheiros.
“Aqui no nosso estado a gente percebe um grande processo de participação. Por isso é muito importante que a sociedade se organize e que todo cidadão, cidadã, participe. Aqui no nosso estado, a gente percebe já um grande processo de mobilização. Inclusive nós do Conselho Estadual, junto com outras organizações, instituímos um grupo interinstitucional, que tem feito muitos diálogos com os conselhos municipais, a fim de orientá-los para que durante o processo não tenhamos nenhum tipo de situação adversa, para que seja um processo participativo e que a sociedade tenha muita consciência em quem vai escolher no dia 1º de outubro”, disse Deilson à Agência Brasil.
O secretário-geral do Cedca, entretanto observa que muitas vezes a falta de estrutura dificulta o trabalho dos conselheiros. Um exemplo é a falta de um meio de comunicação adequado, como um celular, para o uso dos conselheiros no dia a dia ou mesmo no plantão. “Uma medida simples como essa, de disponibilizar um aparelho custeado pela prefeitura, permite que a população possa acessar o Conselho Tutelar a qualquer hora do dia ou da noite”.
Da mesma forma, o município tem o dever de proporcionar condições adequadas para que o conselho cumpra suas atribuições a contento. Isso implica, entre outras coisas, em disponibilizar, 24 horas por dia, condições de deslocamento imediato a qualquer local onde seja necessário efetuar um atendimento, a exemplo de uma denúncia recebida, seja para fins de acompanhamento de casos ou mesmo de uma atuação eminentemente preventiva. O ideal é que o conselho Tutelar tenha veículo próprio, com motorista à disposição.
Falta de estrutura
Ele destaca também que a falta de estrutura afeta a sistematização de dados no estado sobre os atendimentos prestados a crianças e adolescentes. Essa sistematização serve para evidenciar os principais problemas em um determinado município ou região.
“No Maranhão, a gente não consegue ter os conselhos tutelares como fonte de informações dos direitos da criança e do adolescente. Os conselhos tutelares ainda têm muita dificuldade de coleta de dados, de registro de informações para que isso possa ser subsídio para a elaboração de políticas públicas e que isso sirva de subsídio para o Conselho Estadual pensar políticas a nível do estado como para os próprios conselhos municipais pensarem políticas locais”, disse.
“É preciso fazer investimento na formação dos conselheiros tutelares para que eles tenham cada vez mais uma atuação mais adequada”, concluiu.
Para Deilson, outro problema é a falta compreensão de muitos gestores municipais acerca do papel dos conselhos tutelares, especialmente do seu papel dentro do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente. Essa ausência de compreensão faz com que muitos gestores públicos e servidores que atuam em diversos órgãos, programas e serviços de atendimento ainda vejam o Conselho Tutelar como uma espécie de “comissariado de menores de segunda categoria”, quando, na verdade, o mesmo tem um status e diversas prerrogativas funcionais equiparadas aos conferidos à autoridade judiciária.
“Passados 33 anos de ECA, a gente ainda vive em uma constante necessidade de fortalecer e consolidar esse espaço como um espaço importante para a sociedade, para o poder público e para as crianças e adolescentes. Os conselhos ainda enfrentam muitos desafios, seja pela falta de estrutura, como muitos conselhos no estado do Maranhão funcionando em espaços precários, não têm veículo, celular para fazer uma ligação, computador, os salários que atrasam. Então, esses problemas estruturais dificultam o trabalho das pessoas que estão a serviço dessa instituição”, pontuou.
Edição: Fernando Fraga