Na Cúpula da Amazônia, que acontece na próxima semana em Belém do Pará, os povos indígenas da região planejam pedir o fim da exploração de petróleo em seus territórios. A demanda deve estar em uma declaração que será entregue aos oito presidentes de países amazônicos que participam da reunião. A informação inédita foi adiantada à Agência Pública por Toya Manchineri, coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). O documento, que deve trazer uma posição conjunta dos indígenas da bacia amazônia, está sendo consolidado durante os Diálogos Amazônicos, o encontro preparatório para a Cúpula, que ocorre na capital paraense até o dia 6 de agosto.
A atividade petroleira na Amazônia já atinge comunidades indígenas no Peru e Equador. Neste último país, em 20 de agosto, junto à eleição presidencial, será realizado um plebiscito para decidir se a exploração em um parque nacional deve ser paralisada.
No Brasil, a questão tem ganhado força com as discussões sobre os planos da Petrobras de exploração na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, no litoral do Amapá e Pará. A estatal tenta obter licenças para a perfuração de poços junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que negou um dos pedidos em maio. Caso as autorizações sejam concedidas, a base da atividade será estabelecida no município de Oiapoque, no Amapá, e deve afetar os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na.
“Pensar no petróleo como produto que vai gerar riqueza para a Amazônia é equivocado. Há vários outros produtos [que podem ser explorados], por exemplo, a pesquisa sobre medicamentos e plantas medicinais”, destaca o coordenador geral da Coiab. “Aí sim os indígenas seriam incluídos, seriam utilizados os conhecimentos tradicionais e repartidos os benefícios para os povos.”
Manchineri reivindica ainda maior participação dos povos indígenas nos espaços de tomada de decisão da Cúpula. Está prevista a leitura da declaração por um indígena aos presidentes, cuja reunião será realizada no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Mas ele considera isso insuficiente. “Vamos fazer a leitura de um documento em oito minutos sobre os nove países amazônicos. Acho insensato da parte do Estado colocar isso para a gente, porque gera atrito também [entre as comunidades]”, aponta. “Se os Estados considerassem que os povos indígenas devem participar de forma ampla, abririam espaço para que pelo menos uma liderança [indígena] de cada país amazônico pudesse fazer sua exposição”.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Quais as principais demandas que devem constar na declaração dos povos indígenas amazônicos, que será apresentada aos presidentes dos oito países durante a cúpula?
Uma delas é a questão da demarcação e titulação dos territórios indígenas, tanto dos povos do Brasil, como dos povos da bacia amazônica. Outra é a Convenção 169 da OIT. Nem todos os países da bacia amazônica são signatários dela, [vamos pedir] que esses países assinem. Também tem o financiamento direto aos povos indígenas. No Brasil, temos o Fundo Podáali, um mecanismo de captação [gerido por indígenas]. Queremos que os Estados reconheçam esses mecanismos de captação de recursos dos povos indígenas. Isso vai aparecer no documento e é muito importante para que a gente fortaleça cada vez mais nossas ações nos territórios e na defesa do meio ambiente. Ainda há a questão da transição da economia, do petróleo. Temos que olhar para um outro modelo de desenvolvimento que respeite e incorpore os conhecimentos dos povos indígenas. A mineração também vai aparecer. A meta é garimpo zero em territórios indígenas.
Como vocês estão discutindo a questão do petróleo? De que forma ela deve constar na declaração?
Na declaração conjunta dos povos indígenas da bacia amazônica, [vamos pedir a] não exploração de petróleo em territórios indígenas. Esse é um ponto comum para todas as lideranças [de países] onde há exploração de petróleo, por exemplo, Peru, Equador e Venezuela. Isso vai estar na declaração.
Aqui no Brasil, ainda não temos exploração já iniciada em territórios indígenas, mas no Equador e no Peru há vários exemplos em que a exploração de petróleo só trouxe pobreza e divisão dos povos indígenas, além da contaminação do meio ambiente, da água, dos peixes, o que causa problemas de alimentação. A exploração do petróleo no território traz apenas doenças para população, não fica nenhum recurso para comunidade. Muito pelo contrário, o que fica para os povos indígenas, quando há derramamento de petróleo, são os rios e os peixes contaminados. No Equador e no Peru isso é bem visível. As lideranças dizem que o petróleo não traz nenhum tipo de riqueza, mas deixa as comunidades mais pobres, com um solo empobrecido, quando há acidentes. É igual a mineração, porque o petróleo é explorado por grandes empresas. Um exemplo é Serra Pelada: quando acabou [o ouro], acabaram a riqueza e a cidade, não ficou nada, apenas uma cratera de vários quilômetros e o meio ambiente degradado.
Pensar no petróleo como produto que vai gerar riqueza para a Amazônia é equivocado. Há vários outros produtos [que podem ser explorados], por exemplo, a pesquisa sobre medicamentos, plantas medicinais. Aí sim os indígenas seriam incluídos, seriam utilizados os conhecimentos tradicionais e repartidos os benefícios para os povos. No petróleo, ficam os royalties só para os municípios. Até isso se transformar em recurso que vai beneficiar os povos indígenas, às vezes nem acontece. Ou em 99% das vezes não acontece.
A ministra dos povos indígenas Sônia Guajajara disse recentemente que a participação indígena na cúpula precisa aumentar. Essa reivindicação também aparecerá no texto que vocês estão elaborando?
Estamos reivindicando no nosso documento que na OTCA [a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, responsável pela realização da Cúpula] estejam presentes, com voz e [direito a] voto, uma liderança [indígena] de cada de cada Estado que compõe a organização. Isso vai estar na declaração final também. Estamos tentando articular para que algumas ideias que estamos propondo sejam incorporadas no documento oficial [a Declaração de Belém, a ser lançada pelos países no fim da Cúpula]. Mas a gente vê que o documento já vem sendo articulado há muito tempo e talvez a gente não consiga colocar nossas reivindicações [o governo brasileiro elaborou, com a participação de vários ministérios, uma minuta da declaração e a submeteu aos demais governos]. Independente se vai para o oficial ou não, vamos construir nosso documento e consolidá-lo cada vez mais já pensando também na Por enquanto, na Cúpula, vocês têm garantido um momento para ler aos presidentes a declaração que estão produzindo. Considera pouco?
É muito pouco. Vamos fazer a leitura de um documento em oito minutos sobre os nove países amazônicos. Acho insensato da parte do Estado colocar isso para a gente, porque gera atrito também [entre as comunidades]. Se os Estados considerassem que os povos indígenas devem participar de forma ampla, abririam espaço para que pelo menos uma liderança [indígena] de cada país amazônico pudesse fazer sua exposição. Se acontecesse isso, já seria bom para a gente. Seria uma forma do governo reconhecer a importância que os conhecimentos indígenas têm para a proteção das florestas, redução do desmatamento e combate [à mudança] do clima.
Já está definido quem será a liderança a fazer a leitura da declaração aos presidentes?
Já é quase consenso que quem tem que falar na cúpula junto aos presidente é a Coiab. A gente vai definir quem é a liderança.
E como estão as agendas do movimento indígena com as autoridades?
Temos uma agenda combinada com o secretário da UNFCCC [Simon Stiell, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – UNFCCC na sigla em inglês]. Vamos conversar com ele sobre a participação dos povos indígenas na COP28 [que acontecerá no fim do ano em Dubai, nos Emirados Árabes].