27/06/2023 – 15:04
Especialistas ouvidos pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (27) alertaram para os impactos da dependência tecnológica na sociedade e sugeriram uma série de iniciativas para lidar com a questão, como a formação de grupo de trabalho na Casa para estudar a questão e legislação específica sobre o tema.
O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que pediu o debate, informou que ainda em 2015 apresentou um projeto de lei (PL 2498/15) propondo a criação de centros de atenção aos usuários compulsivos de serviços de internet e redes sociais, a fim de orientar quanto à sua utilização de forma controlada e moderada.
Ele lamentou a tramitação lenta da proposta na Casa, atribuindo-a à pressão das big techs. A proposta prevê que os provedores de acesso à internet mantenham, em conjunto ou separadamente, pelo menos um centro de atenção a usuários compulsivos em cada estado.
A psicóloga clínica e terapeuta cognitivo-comportamental Aline Paz disse que há dois tipos de dependência – uma “natural”, que permite aos usuários tirar proveito das tecnologias, de forma que não gera sofrimento quando não há possibilidade de contato com as tecnologias; e a dependência “patológica”, que gera medo, angústia, ansiedade, quando não há possibilidade de acesso ao celular, computador e internet.
Segundo ela, essa dependência patológica recebe o nome de “nomofobia” (do inglês, no-mobile phobia), e o tratamento inclui o uso de medicamentos, como antidepressivos e ansiolíticos, e terapia cognitivo comportamental.
A psicóloga considera importante a adoção de políticas públicas para alertar a população sobre os efeitos nocivos da dependência tecnológica, por exemplo, por meio de campanhas publicitárias do Ministério da Saúde e da educação na escola para uso adequado das tecnologias. Aline Paz manifestou apoio ainda ao Projeto de Lei 2498/15.
Efeitos sobre crianças
O coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Cristiano Nabuco, alertou para os efeitos nocivos das tecnologias não apenas sobre a saúde mental, como sobre o raciocínio, especialmente em crianças pequenas, citando estudo do pesquisador francês Michel Desmurget.
“Ele descobriu que crianças francesas que gastavam 50 ‘minutinhos’ por dia no celular dos pais, no final de dois anos deixavam de escutar 850 mil palavras. Simplesmente uma exibição passiva já compromete o desenvolvimento da linguagem”, alertou.
Segundo Nabuco, desde 1996, quando o primeiro smartphone foi lançado, o QI (Quociente de Inteligência) mundial está sofrendo um decréscimo. Antes disso, a tendência era de aumento do QI a cada nova geração. O médico contou de um caso grave de um menino de 15 anos, que fica conectado a jogos on-line 55 horas ininterruptas.
“Ele não sai para se alimentar, ele urina na calça, e ele evacua na calça exatamente para não parar de jogar. Ou seja, as pesquisas vão mostrar que os caminhos, os circuitos neuronais do nosso cérebro que são ativados quando ele usa a tecnologia, são muito parecidos com aquela que é ativada quando ele consome álcool ou drogas”, disse.
O especialista defendeu, além da criação de uma legislação específica para tratar do tema, a criação de um grupo de trabalho para estudar a questão; o desenvolvimento de um programa de orientação com divulgação em larga escala na mídia; a instituição do “Dia Detox Brasil”; e o treinamento de profissionais da saúde, da educação e do direito para lidar com o problema. Ele alerta que não se sabe o tamanho do problema, já que não há estatísticas confiáveis no Brasil sobre o número de dependentes tecnológicos.
O deputado Aureo Ribeiro gostou da sugestão da criação de um grupo de trabalho na Comissão de Cultura e quer propor também uma frente parlamentar para tratar do tema. “Acho que a sugestão aqui no senhor Cristiano Nabuco é fundamental para a Câmara dos Deputados: estabelecer um grupo de trabalho para que a gente possa debater neste grupo de trabalho a legislação brasileira e como vamos enfrentar este grande problema, que não é só do Brasil, mas do mundo”, afirmou.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Roberto Seabra