O Monte Davis não é um tipo de colina que se possa escalar. Tampouco é um local que possa ser usado como mirante. Também não adianta procurar em um mapa físico brasileiro, pelo menos não em um mapa que mostre a topografia terrestre do país.
A formação geológica está localizada embaixo d’água, no Oceano Atlântico, a 900 quilômetros da costa do Espírito Santo. Mais especificamente na cadeia montanhosa Vitória-Trindade, uma cordilheira submarina que se estende por mil quilômetros entre o litoral capixaba e a ilha oceânica de Trindade.
Um artigo publicado no ano passado na revista científica Coral Reefs mostrou que, apesar de não servir como ponto de observação de um pôr do sol, o local tem grande biodiversidade e abriga um novo ambiente marinho habitado por espécies de corais, batizado pelos pesquisadores de colinas coralinas.
O ambiente inclui não apenas o Monte Davis, como várias colinas submersas dos arredores, que ocorrem de 70 a 17 metros de profundidade. As colinas coralinas são ricas em biodiversidade e apresentam grande diferença em relação aos recifes de corais existentes na costa brasileira e na ilha de Trindade.
“Esse ecossistema recifal é completamente diferente daquilo que era conhecido antes. Tem uma formação bem diferente, com uma complexidade bem interessante. Eles têm esse formato de colinas e são formados principalmente de algas coralináceas. Foi uma descoberta muito interessante, e tivemos a possibilidade de batizar esse ecossistema único da cadeia Vitória-Trindade”, disse o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Hudson Pinheiro, um dos coordenadores do estudo.
A pesquisa, realizada pela Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, mantida pela Fundação Boticário, revelou, por exemplo, a existência de duas novas espécies de peixes. Uma delas é endêmica (só existe ali), enquanto a outra só possui registros ali e na ilha de Fernando de Noronha.
Mais de 90% das espécies observadas pela pesquisa nunca tinham sido registradas no local, mostrando que apenas 10% da fauna das colinas coralinas eram conhecidas. “As únicas espécies conhecidas eram aquelas que vinham na pesca. Os montes submarinos abrigavam uma diversidade muito maior do que era conhecida”, afirma Pinheiro.
O estudo constatou que as colinas coralinas abrigam a maior biomassa de peixes recifais do Oceano Atlântico, ou seja, a região reúne uma grande quantidade de peixes de grande porte. “Há uma quantidade muito grande de espécies. São peixes grandes. Temos a presença de tubarões, garoupas, barracudas”, diz o pesquisador.
Segundo ele, as descobertas são importantes para garantir a preservação do local, que é alvo de pesca não controlada e já foi, recentemente, submetido à mineração de calcário autorizada pelo governo.
“Esses ambientes são isolados. Algumas espécies até conseguem migrar de um monte até outro, mas muitas dependem de sua própria população ali [em uma colina específica] para se manter e ter a possibilidade de evoluir. Destruindo o ambiente em que elas ocorrem, perde-se toda a linhagem evolutiva que demorou milhares e milhares de anos para ser formada, com espécies e linhagens únicas.”
O levantamento também é importante, segundo Hudson Pinheiro, porque muitos montes estão em águas internacionais. “O Brasil está pleiteando a inserção de muitos desses montes para a zona econômica exclusiva. A gente mostra que ali tem uma biodiversidade única, que merece atenção, um planejamento para um desenvolvimento sustentável da região. Também subsidia a proposta de criação de uma reserva da biosfera marinha.”
Edição: Nádia Franco