O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), analisou nesta segunda-feira (26), em Genebra, na Suíça, o terceiro relatório periódico do Brasil sobre o cumprimento do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. De acordo com Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o documento foi entregue pelo governo anterior, em 2020, e complementado em 2022.
Hoje, durante a 138ª Sessão do Comitê da ONU, os representantes do governo e de outros poderes da República responderam a perguntas de 18 peritos independentes sobre o cumprimento das medidas acordadas neste pacto internacional.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é um tratado adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1966 e ratificado pelo Brasil em 1992. O compromisso estabelece a obrigação dos Estados-Partes de promover e proteger garantias essenciais sobre direitos civis e políticos.
Reconstrução de políticas
Na sessão de abertura, a secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rita de Oliveira, que chefia a delegação brasileira, apresentou dados atuais sobre a situação no país. “O Brasil passa por uma reconstrução profunda de suas políticas de direitos humanos duramente afetadas pela implementação, nos últimos anos, de uma agenda perversa de desmonte operacional e subversão conceitual”, afirmou.
A secretária frisou que foi neste contexto que o terceiro relatório foi apresentado ao comitê da ONU, mas enfatizou que o governo atual tem posicionamento bem diferente do anterior, que classificou de negligente, omisso e com práticas criminosas. “Tentaremos, ao longo deste exercício, preencher as lacunas das informações até agora apresentadas, corrigir as numerosas distorções identificadas e trazer novos elementos e iniciativas à apreciação deste comitê”, disse Rita.
Ela apresentou aos peritos um balanço das diversas políticas que estão sendo implementadas no país desde janeiro, destacando as ações de proteção de direitos de populações historicamente discriminadas ou em situação de vulnerabilidade, como negros, indígenas, mulheres, quilombolas, pessoas em situação de rua e comunidade LGBTIQA+. Segundo a secretária, estes são grupos “mais expostos à violência policial, tortura, a denegação de Justiça, ao trabalho forçado e ao encarceramento em massa, xenofobia e a violência política”.
Rita de Oliveira citou as novas políticas de garantias e destacou como prioritárias iniciativas voltadas para o empoderamento material e político dessas populações, a criação e a retomada de programas, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e o percentual mínimo de 30% das vagas para cargos em comissão e funções de confiança na administração pública federal para pessoas negras, entre outras ações.
Para ela, são destaques o projeto Moradia Primeiro, que oferece dignidade e residência temporária a pessoas em situação de rua; o enfrentamento da violência e da exploração sexual de crianças e adolescentes, o combate à violência contra o povo Yanomami; a recomposição da Comissão de Anistia, a retomada dos trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e o acompanhamento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade no caso de graves violações de direitos humanos e o desenvolvimento do Projeto Mandela, para garantia de direitos humanos aos privados de liberdade, além do enfrentamento à tortura.
A secretária mencionou ainda as entidades da sociedade civil pela parceria com o governo federal na construção de políticas públicas. Ela agradeceu a essas entidades cuja participação considera fundamental para chegar “a um diagnóstico honesto sobre a realidade brasileira e, assim, buscar soluções conjuntamente”.
O perito da ONU Carlos Gomez Martinez manifestou satisfação com a indicação de um novo compromisso do Estado brasileiro com os direitos humanos e disse que “alguns dos problemas que foram objeto da lista de perguntas enviadas ao estado Brasileiro se referem a uma situação já passada”.
Também foram questionadas no evento a representação do atual governo sobre situações problemáticas recorrentes no país e dados da gestão de Jair Bolsonaro. Os diferentes membros do comitê da ONU perguntaram sobre o combate à corrupção, a fraudes e desvios de dinheiro público, a luta contra o terrorismo, o combate ao discurso de ódio e a todo tipo de discriminação, a promoção da igualdade de gênero em postos de comando, a violência policial e o desaparecimento de pessoas por atuação de forças paramilitares.
Foram lembradas ainda as investigações sobre o assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em junho de 2022, na Amazônia, e os processos da operação Lava Jato.
Além de Rita de Oliveira, também responderam aos questionamentos dos peritos outros representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, das Mulheres, da Igualdade Racial e da Saúde, dos Povos Indígenas, além do Conselho Nacional do Ministério Público, da Defensoria Pública da União e do Conselho Nacional de Justiça.
Povos indígenas e negros
O representante da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde brasileiro, Yuna Kaelly Melo Lopes, por exemplo, enumerou as ações globais do governo para proteger os povos indígenas, entre as quais destacou a criação do Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por uma mulher, a ativista Sônia Guajajara, a realização de concurso público para prover vagas na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), além da dedicação à causa humanitária do povo Yanomami e da proposição de um novo marco legal para relacionar o Estado com os povos originários.
Na questão da igualdade racial, a assessora de Ações Governamentais do Ministério da Igualdade Racial, Isadora de Oliveira Silva, citou as políticas de ações afirmativas, como a Lei de Cotas para ingresso de negros na educação superior, mas ressaltou que vários desafios precisam ser superados.
“Pouco se avançou na implementação de ações afirmativas nos cursos de pós-graduação, e permanece o desafio da empregabilidade de pessoas negras, pois, embora tenha se ampliado a chance de emprego, pretos e pardos ainda sofrem com menores salários no mercado de trabalho. Por isso, há necessidade da elaboração de um novo programa nacional de ações afirmativas”, afirmou Isadora.
Corrupção
O procurador José Augusto De Souza Peres Filho, representante do Conselho Nacional do Ministério Público, falou sobre a legislação empregada no combate à corrupção, lavagem de capitais e fortalecimento do compliance (estar de acordo com as leis, padrões éticos e regulamentos internos e externos) e acordos de leniência. “Sobre a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, hoje, temos 25 órgãos envolvidos. Essas leis mencionadas surgiram da Enccla [Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro] e são fruto do trabalho desta instituição brasileira.”
A 138ª sessão completa do Comitê de Direitos Humanos na ONU durou mais de três horas. Os interessados em acompanhar todos os questionamentos dos membros do comitê internacional e as respostas das autoridades brasileiras devem acessar o YouTube.
Edição: Nádia Franco