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aluguel aumentou mais nas periferias do que no centro

aluguel aumentou mais nas periferias do que no centro

Os distritos da Vila Jacuí e São Miguel Paulista, no extremo Leste de São Paulo, ficam a cerca de 30 quilômetros do centro. São periferias que cresceram em volta da Capela de São Miguel Arcanjo, o templo mais antigo da cidade. Nos últimos quatro anos, essas duas localidades tiveram os maiores aumentos de aluguel da capital paulista, segundo levantamento da Agência Pública com dados do ImovelWeb.

De acordo com os dados do ImovelWeb, os aluguéis da Vila Jacuí aumentaram 83,34%, entre 2019 e 2022. É o maior aumento proporcional dos aluguéis em São Paulo, superando regiões nobres, como o distrito de Pinheiros, que teve queda de 0,27%. A variação também foi muito maior se comparada a distritos do centro, como Santa Cecília e República, onde os aluguéis variaram 3,84% e 2,02%, respectivamente. O segundo maior aumento foi no distrito vizinho, São Miguel Paulista, onde o preço do aluguel subiu 66,47% no período. 

Os moradores de Vila Jacuí e São Miguel Paulista pagam, em média, R$2,5 mil por mês pelo aluguel. O valor é parecido com o de Tatuapé, um dos bairros mais valorizados de São Paulo. Considerando todos os distritos, o aluguel em São Paulo aumentou, em média, 18,9%. Os dados disponibilizados pelo ImovelWeb consideram o valor médio e a variação percentual dos aluguéis em todos os 96 distritos de São Paulo, que pertencem às 32 subprefeituras da cidade. As subprefeituras são divisões administrativas abaixo da prefeitura, que funcionam como pequenos municípios dentro da capital. 

De acordo com a secretaria municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, “a divisão por bairros não é oficial no município”. A Lei 11.220 de 1992 divide o município por distritos. De acordo com o mapeamento feito pelo SP Bairros, os distritos de Vila Jacuí e São Miguel Paulista compreendem 44 bairros. 

Mapa de São Paulo mostra preço do aluguel em pontos diferentes da capital paulista

A ImovelWeb não disponibiliza a metodologia da sua pesquisa. A reportagem questionou a Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB) sobre a existência de um levantamento oficial dos preços de aluguel na cidade. A Pasta informou “que não possui qualquer ingerência sob a política de aluguel de imóveis vigente na cidade”.

Maria Lúcia, 65 anos, aposentada, reclama do preço da casa que aluga em São Miguel Paulista. Ela paga R$1,5 mil pelo imóvel com dois cômodos. “Perto da Igreja São Miguel tem apartamento de R$3 mil. Nem no Morumbi [bairro nobre da cidade] você pega isso. Ninguém tem salário pra isso, você paga um mês e não paga mais”.

Maria Lúcia, moradora de São Miguel Paulista. Maria é uma senhora na faixa dos 60 anos, com cabelos grisalhos e pele parda. Ela está em uma praça pública e veste uma camiseta preta e branca listrada com o desenho de uma flor no ombro esquerdo
“Ninguém tem salário pra isso”, desabafa Maria Lúcia sobre o preço elevado dos aluguéis em São Miguel Paulista

Segundo a moradora, apesar do valor dos imóveis, o bairro carece de serviços públicos como equipamentos de saúde. Recentemente, ela descobriu um câncer e espera há mais de um ano por uma biópsia, pois não consegue atendimento nos hospitais da região. “A gente tem um centro do idoso. Eu fui pedir para me tratar lá e não deram encaminhamento, que seria um direito meu. Não acho justo isso, pelo imposto que eu pago”, diz. 

Não muito longe da estação de trem de São Miguel Paulista, em uma travessa da Avenida Nordestina, uma das principais do local, com comércio movimentado, o enfermeiro e professor da rede municipal Alan Esau mora de aluguel em uma casa com a esposa e a filha. Há dois anos e meio, ele resolveu criar mais uma fonte de renda alugando a casa própria em Itaquera, bairro onde foi criado, aproximadamente 30 minutos de ônibus dali, para alugar um imóvel mais barato em outro bairro.

Mas ele conta que pesquisou aluguéis em vários bairros periféricos e não conseguiu preços bons. Por fim, conseguiu alugar uma casa por R$ 800, mas só conseguiu porque o proprietário é seu amigo. “Não fosse por isso, provavelmente pagaria o dobro. Acho surreal um salário mínimo para você morar afastado de tudo”.

Alan é um homem negro na faixa dos 30-40 anos. Ele está encostado em uma parede azul, na entrada de um comércio. Alan veste camiseta azul com listras brancas nos ombros e uma faixa vermelha na altura do peito
Alan encontrou no imóvel de seu amigo uma alternativa para fugir dos preços altos

Preço de Alphaville na periferia

Uma caminhada de 25 minutos, a partir da estação São Miguel Paulista, leva até a Vila Jacuí. No caminho, a reportagem notou muitas placas de aluguel. Um dos pontos de divisa entre os distritos é a praça Fortunato da Silveira, mais conhecida por “Pracinha do Morumbizinho”, como os moradores chamam a região em referência ao bairro nobre da zona sul.

Priscila Pereira mora na Vila Pedroso, bairro de São Miguel que divide os dois distritos. Ela percebe que muitos moradores da região fazem uma renda extra com empregos informais, como motoristas de aplicativo, ou abriram comércios próprios, o que faz a economia local girar. Para ela, o desenvolvimento do comércio local, a proximidade da estação de trem e a chegada de serviços, como faculdades, valorizou os imóveis da região e fez o preço do aluguel subir nos últimos anos.

“As imobiliárias pensam: ‘se a pessoa que mora em São Miguel está ganhando mais, mesmo que de forma informal, então dá para eles pagarem um aluguel mais elevado’”, diz.

Transeuntes atravessam faixa de pedestre que liga rua à calçada na entrada da estação de trem São Miguel Paulista
Moradores da Vila Jacuí e São Miguel pagam aluguel com preço semelhante aos do Tatuapé, bairro mais próximo ao centro de São Paulo

Ela conta que morou a vida inteira de aluguel com a família em diferentes bairros da Jacuí e de São Miguel Paulista. Antes de mudar para o imóvel atual – uma sobreloja em cima de uma padaria – eles pagavam R$1,6 mil/mês por um imóvel que não tinha quintal, nem garagem e onde ela precisava dividir o quarto com o irmão. “Aqui é R$200 mais caro. Também não tem quintal e garagem, mas pelo menos cada um tem seu quarto”.

Enquanto a família de Priscila sonha com um quintal, Ingrid Regine paga aluguel em uma casa com quintal compartilhado. Há três anos, ela foi morar na Vila Jacuí porque o aluguel do antigo imóvel, em São Miguel Paulista, aumentou 17%. Hoje, ela paga R$1,1 mil por mês. “Sempre gostei da Jacuí, mas eu acho que até o valor do comércio aqui está um absurdo, fora que a criminalidade está bem maior, você não tem mais uma segurança como anos atrás. Acho que não é compatível o valor do aluguel. A gente costuma dizer que o povo acha que a Jacuí é Alphaville”.

Nelson Caldini, delegado seccional Leste do Conselho Regional de Corretor de Imóveis (CRECI-SP), explica que a lógica de locação se dá por busca e mercadoria, ou seja, pouca oferta de imóveis em uma região com alta procura fazem com que o preço suba. 

Ele explica que a dinâmica dos bairros também entra na conta do aluguel. São Miguel Paulista, por exemplo, é conhecido por ser um distrito mais residencial, que fica longe de polos comerciais. A maioria dos imóveis disponíveis para locação são de dois quartos, embora a maior demanda seja por unidades com três quartos, segundo Caldini. Isso faz com que o preço desse tipo de imóvel suba. Os preços mais altos, por sua vez, pressionam a renda dos moradores.   

“As pessoas que são empregadas no próprio bairro ganham em torno de R$1,7 mil, que é a média do Sindicato dos Comerciantes. As que trabalham no centro e se deslocam para cá no fim do dia podem até ganhar mais lá fora, mas gastam de alimentação e transporte quase 30% do salário”, explica Caldini.

A Vila Jacuí já tem uma estrutura diferente. As casas são maiores e existe até uma faculdade, que se tornou ponto de referência. “A Vila Jacuí ficou um pouco elitizada nesse aspecto. Você vai encontrar mais casas de três quartos, sala, cozinha e banheiro, casas maiores, sobrados, com uma outra valoração de aluguel, na faixa de R$3 mil”, explica. 

Ele diz que a especulação imobiliária em ambas as localidades é forte e que os empreendimentos em construção oferecem apartamentos cada vez menores. “Parece que eles querem ocupar o maior número de apartamentos no mesmo terreno para ter um retorno financeiro melhor. Eu sou um crítico severo desse tipo de construção porque acredito que as pessoas não nasceram para serem enlatadas, nasceram para viverem bem”.

Colaborador: Bruno Fonseca
Colaboradora: Bianca Muniz